presentes à mesa
posta banquete
ornado lâmpadas
o mês-murcha fruta
- noz pinha
desde criança
música feliz que fomos
barba branca céu
de noite estrelada
em paz,
peru assa
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Curso de Romeno (on line)
Limba română
Româneşte
Navegando pela internet, percebi que muitas pessoas têm dificuldade em encontrar um bom material de estudo on line de língua romena.
Há um curso gratuito, disponibilizado pelo governo romeno, que, a meu ver, oferece a melhor opção de estudos existente na internet:
http://www.dprp.gov.ro/elearning/
Entusiasta que sou dessa rica língua, deixo aqui a dica...
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
terça-feira, 29 de novembro de 2011
lau siqueira
a natureza do espetáculo
amarelas
eram as flores do ipê
esparramadas nos galhos
e no palmo de asfalto que
antecede o chão
pétalas e mais pétalas
falando ao meu silêncio
a p r e s s a d o
exalando o indomável
escândalo da beleza
(in poesia sem pele, Porto Alegre, Casa Verde, 2011)
amarelas
eram as flores do ipê
esparramadas nos galhos
e no palmo de asfalto que
antecede o chão
pétalas e mais pétalas
falando ao meu silêncio
a p r e s s a d o
exalando o indomável
escândalo da beleza
(in poesia sem pele, Porto Alegre, Casa Verde, 2011)
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Giuseppe Ungaretti (2)
Allegria di naufragi
E subito riprende
il viaggio
come
dopo il naufragio
un superstite
lupo di mare
(1917)
...
Alegria de náufragos
E retoma de repente
a viagem
como
após o naufrágio
um sobrevivente
lobo do mar
(1917)
(in Vita d'un uomo, Milano: Mondadori, 2011)
E subito riprende
il viaggio
come
dopo il naufragio
un superstite
lupo di mare
(1917)
...
Alegria de náufragos
E retoma de repente
a viagem
como
após o naufrágio
um sobrevivente
lobo do mar
(1917)
(in Vita d'un uomo, Milano: Mondadori, 2011)
Salvatore Quasimodo (2)
NESSUNO
Io sono forse un fanciullo
che ha paura dei morti,
ma che la morte chiama
perché lo sciolga da tutte le creature:
i bambini, l'albero, gli insetti:
da ogni coisa che ha cuore di tristezza.
Perché non ha più doni
e le strade son buie,
e più non c'è nessuno
che sappia farlo piangere
vicino a te, Signore.
(Acque e terre, 1920-1929)
...
NINGUÉM
Sou talvez um menino
com medo dos mortos,
mas que a morte chama
para desatá-lo de todas as criaturas:
as crianças, a árvore, os insetos:
de coisas com coração de tristeza.
Porque não há mais dádivas
e as estradas estão sombrias,
e ninguém mais resta
para fazê-lo chorar
próximo a ti, Senhor.
(Águas e terras, 1920-1929, trad. joão monteiro)
(in Tutte le poesie, Milano: Mondadori, 1995)
Io sono forse un fanciullo
che ha paura dei morti,
ma che la morte chiama
perché lo sciolga da tutte le creature:
i bambini, l'albero, gli insetti:
da ogni coisa che ha cuore di tristezza.
Perché non ha più doni
e le strade son buie,
e più non c'è nessuno
che sappia farlo piangere
vicino a te, Signore.
(Acque e terre, 1920-1929)
...
NINGUÉM
Sou talvez um menino
com medo dos mortos,
mas que a morte chama
para desatá-lo de todas as criaturas:
as crianças, a árvore, os insetos:
de coisas com coração de tristeza.
Porque não há mais dádivas
e as estradas estão sombrias,
e ninguém mais resta
para fazê-lo chorar
próximo a ti, Senhor.
(Águas e terras, 1920-1929, trad. joão monteiro)
(in Tutte le poesie, Milano: Mondadori, 1995)
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
domingo, 20 de novembro de 2011
De Vento em Popa
O grupo instrumental De Vento em Popa fará apresentação no Clube do Choro de Brasília, no próximo sábado (26.11), às 21h.
Flautas:
Heitor Freitas, Leandro Barcelos, Madelon Guimarães, Marília Carvalho, Nicholli Menezes e William Percy
Violão:
João Ferreira
Baixo:
Marcelo Nardelli
Bateria:
Zezinho Gotelipe
Programa: Tom Jobim, Waldir Azevedo, Luiz Gonzaga, Garoto, Ary Barroso, Pattápio Silva, Pixinguinha, Dorival Caymmi, Hermeto Pascoal, Heitor Villa-Lobos, e outros grandes nomes do repertório brasileiro.
Ingressos: 20 reais (inteira) e 10 reais (meia).
Flautas:
Heitor Freitas, Leandro Barcelos, Madelon Guimarães, Marília Carvalho, Nicholli Menezes e William Percy
Violão:
João Ferreira
Baixo:
Marcelo Nardelli
Bateria:
Zezinho Gotelipe
Programa: Tom Jobim, Waldir Azevedo, Luiz Gonzaga, Garoto, Ary Barroso, Pattápio Silva, Pixinguinha, Dorival Caymmi, Hermeto Pascoal, Heitor Villa-Lobos, e outros grandes nomes do repertório brasileiro.
Ingressos: 20 reais (inteira) e 10 reais (meia).
sábado, 19 de novembro de 2011
Wilson Bueno
O Ganso ou a Vida
O Ganso recebeu pela quarta ou quinta vez a visita do Pato.
Lá vinha ele, de novo, com aquele papo de Pato pachola.
- Seo Ganso, por que o senhor não entra de vez para a Ordem dos Patos, já que ganso não passa de um pato disfarçado?... E nós estamos precisando de sócios. Dezenas de marrecos já aderiram...
- Não, Seo Pato, ganso sou e ganso morrerei. Honro o ganso meu pai e a gansa minha mãe, que não eram, nenhum deles, patos nem marrecos, mas gansos, seu Pato.
- Besteira - pato, ganso, marreco são tudo a mesma coisa. Que diferença temos um do outro? Que diferença? Me diga.
- Uma baita diferença, seo Pato. Aqui na aldeia, ao menos, ninguém come ganso. Agora pato e marreco, todo mundo sabe, são um baita prato.
Grasnando muito o Ganso voltou ao seu bando enquanto o pato, desta vez, corria, com cinco marrecos atrás dele, da senhora sua dona, armada de enorme faca de degolar pato. Ou marreco, se acharem melhor e mais tenro...
(in Cachorros do Céu, São Paulo, Editora Planeta, 2005)
O Ganso recebeu pela quarta ou quinta vez a visita do Pato.
Lá vinha ele, de novo, com aquele papo de Pato pachola.
- Seo Ganso, por que o senhor não entra de vez para a Ordem dos Patos, já que ganso não passa de um pato disfarçado?... E nós estamos precisando de sócios. Dezenas de marrecos já aderiram...
- Não, Seo Pato, ganso sou e ganso morrerei. Honro o ganso meu pai e a gansa minha mãe, que não eram, nenhum deles, patos nem marrecos, mas gansos, seu Pato.
- Besteira - pato, ganso, marreco são tudo a mesma coisa. Que diferença temos um do outro? Que diferença? Me diga.
- Uma baita diferença, seo Pato. Aqui na aldeia, ao menos, ninguém come ganso. Agora pato e marreco, todo mundo sabe, são um baita prato.
Grasnando muito o Ganso voltou ao seu bando enquanto o pato, desta vez, corria, com cinco marrecos atrás dele, da senhora sua dona, armada de enorme faca de degolar pato. Ou marreco, se acharem melhor e mais tenro...
(in Cachorros do Céu, São Paulo, Editora Planeta, 2005)
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
Lucia Blaga (5)
LINIŞTE
Atâta linişte-i în jur de-mi pare că aud
cum se izbesc de geamuri razele de lună.
În piept
mi s-a trezit un glas străin
şi-un cântec cântă-n mine-un dor, ce nu-i al meu.
Se spune că strămoşi, cari au murit fără de vreme,
cu sânge tânăr încă-n vine,
cu patimi mari în sânge,
cu soare viu în patimi,
vin,
vin să-şi trăiască mai departe
în noi
viaţa netrăită.
Atâta linişte-i în jur de-mi pare că aud
cum se izbesc în geamuri razele de lună.
O, cine ştie - suflete-n ce piept iţi vei cânta
şi tu odată peste veacuri
pe coarde dulci de linişte,
pe harfa de-ntuneric - dorul sugrumat
şi frânta bucurie de vieaţă? Cine ştie? Cine ştie?
(1919)
...
SILÊNCIO
Há tanto silêncio em torno – parece que ouço
como se rompesse em cacos raios de lua.
No peito
desperta-me uma voz estranha
como se cantasse um grito dolente, que não é meu.
Diz que ancestrais, mortos prematuramente,
com jovem sangue temoroso,
com paixões ensanguentadas,
sob sol ainda radiante,
vêm,
vêm para que vivam longe
conosco
esta vida frágil.
Há tanto silêncio em torno – parece que ouço
como se rompesse em cacos raios de lua.
Ah, quem sabe – quanto ânimo neste peito cantará
você que ruma a esmo
entre cordas doces silenciosas
de harpa sombria – a dor sufocada
é capaz de romper a vida? Quem sabe? Quem sabe?
(1919)
(trad. joão monteiro)
Atâta linişte-i în jur de-mi pare că aud
cum se izbesc de geamuri razele de lună.
În piept
mi s-a trezit un glas străin
şi-un cântec cântă-n mine-un dor, ce nu-i al meu.
Se spune că strămoşi, cari au murit fără de vreme,
cu sânge tânăr încă-n vine,
cu patimi mari în sânge,
cu soare viu în patimi,
vin,
vin să-şi trăiască mai departe
în noi
viaţa netrăită.
Atâta linişte-i în jur de-mi pare că aud
cum se izbesc în geamuri razele de lună.
O, cine ştie - suflete-n ce piept iţi vei cânta
şi tu odată peste veacuri
pe coarde dulci de linişte,
pe harfa de-ntuneric - dorul sugrumat
şi frânta bucurie de vieaţă? Cine ştie? Cine ştie?
(1919)
...
SILÊNCIO
Há tanto silêncio em torno – parece que ouço
como se rompesse em cacos raios de lua.
No peito
desperta-me uma voz estranha
como se cantasse um grito dolente, que não é meu.
Diz que ancestrais, mortos prematuramente,
com jovem sangue temoroso,
com paixões ensanguentadas,
sob sol ainda radiante,
vêm,
vêm para que vivam longe
conosco
esta vida frágil.
Há tanto silêncio em torno – parece que ouço
como se rompesse em cacos raios de lua.
Ah, quem sabe – quanto ânimo neste peito cantará
você que ruma a esmo
entre cordas doces silenciosas
de harpa sombria – a dor sufocada
é capaz de romper a vida? Quem sabe? Quem sabe?
(1919)
(trad. joão monteiro)
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Lucian Blaga (4)
VISĂTORUL
Spânzurat de aer printre ramuri
se frământa în mătasa-i
un păianjen.
Raza lunii
l-a trezit din somn.
Ce se zbate? A visat că
raza lunii-i fir de-al lui şi
cearc-acuma să se urce
până-n ceruri, sus, pe-o rază.
Se tot zbate,îndrăzneţul
şi s-azvârle.
Şi mi-e teamă
c-o să cadă - visătorul.
(1919)
...
SONHADORA
Estrangulada pelo ar entre os ramos
retorce-se em seda
uma aranha.
O raio de lua
interrompeu seu sono.
Por que se agita? Sonhou que
fiava raios de lua e
agora busca escalar
até os céus, alto, sobre um lampejo.
Debate-se toda, audaz,
e se lança.
E temo
que tombe - sonhadora.
(1919)
(trad. joão monteiro)
Spânzurat de aer printre ramuri
se frământa în mătasa-i
un păianjen.
Raza lunii
l-a trezit din somn.
Ce se zbate? A visat că
raza lunii-i fir de-al lui şi
cearc-acuma să se urce
până-n ceruri, sus, pe-o rază.
Se tot zbate,îndrăzneţul
şi s-azvârle.
Şi mi-e teamă
c-o să cadă - visătorul.
(1919)
...
SONHADORA
Estrangulada pelo ar entre os ramos
retorce-se em seda
uma aranha.
O raio de lua
interrompeu seu sono.
Por que se agita? Sonhou que
fiava raios de lua e
agora busca escalar
até os céus, alto, sobre um lampejo.
Debate-se toda, audaz,
e se lança.
E temo
que tombe - sonhadora.
(1919)
(trad. joão monteiro)
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Wisława Szymborska (3)
Alguns gostam de poesia
Alguns −
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.
Gostam −
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.
De poesia −
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.
(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)
Alguns −
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.
Gostam −
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.
De poesia −
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.
(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Wisława Szymborska (2)
Descoberta
Creio na grande descoberta.
Creio no homem que fará a descoberta.
Creio no temor do homem que a fará.
Creio na palidez de sua face,
em sua náusea, no suor gelado sobre seu lábio.
Creio em seus encontros incendiados,
reduzidos a pó,
queimados até a última cinza.
Creio nas cifras dispersadas,
espalhadas sem lamento.
Creio na pressa do homem,
na precisão de seus gestos,
em seu livre arbítrio.
Creio nas lousas fracassadas,
nos líquidos derramados,
nos raios esmaecidos.
Afirmo que acontecerá,
que não tardará
e que ocorrerá na ausência de testemunhas.
Ninguém saberá, disso estou segura,
nem a esposa, nem a parede,
e nem mesmo o pássaro – poderia cantar.
Creio na mão que não se sustenta,
creio na carreira despedaçada,
creio no trabalho de muitos anos desperdiçado.
Creio no segredo levado à tumba.
Estas palavras fazem-me velejar sobre as regras.
Não buscam apoio em exemplo algum.
Minha fé é forte, cega e infundada.
(in Todo caso, Varsóvia, 1972, trad. do italiano: joão monteiro)
(in Ogni caso, trad. italiano Pietro Marchesani, Milão, Libri Scheiwiller, 2009)
Creio na grande descoberta.
Creio no homem que fará a descoberta.
Creio no temor do homem que a fará.
Creio na palidez de sua face,
em sua náusea, no suor gelado sobre seu lábio.
Creio em seus encontros incendiados,
reduzidos a pó,
queimados até a última cinza.
Creio nas cifras dispersadas,
espalhadas sem lamento.
Creio na pressa do homem,
na precisão de seus gestos,
em seu livre arbítrio.
Creio nas lousas fracassadas,
nos líquidos derramados,
nos raios esmaecidos.
Afirmo que acontecerá,
que não tardará
e que ocorrerá na ausência de testemunhas.
Ninguém saberá, disso estou segura,
nem a esposa, nem a parede,
e nem mesmo o pássaro – poderia cantar.
Creio na mão que não se sustenta,
creio na carreira despedaçada,
creio no trabalho de muitos anos desperdiçado.
Creio no segredo levado à tumba.
Estas palavras fazem-me velejar sobre as regras.
Não buscam apoio em exemplo algum.
Minha fé é forte, cega e infundada.
(in Todo caso, Varsóvia, 1972, trad. do italiano: joão monteiro)
(in Ogni caso, trad. italiano Pietro Marchesani, Milão, Libri Scheiwiller, 2009)
sábado, 5 de novembro de 2011
Emily Dickinson (3)
A Dimple in the Tomb
Makes that ferocious Room
A Home -
...
Um Vão na Pedra Tumular
Faz do feroz Lugar
Um Lar -
(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)
Makes that ferocious Room
A Home -
...
Um Vão na Pedra Tumular
Faz do feroz Lugar
Um Lar -
(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)
Emily Dickinson (2)
I'm Nobody! Who are you?
Are you - Nobody - Too?
Then there's a pair of us?
Don't tell! they'd advertise - you know!
How dreary - to be - Somebody!
How public - like a Frog -
To tell one's name - the livelong June -
To an admiring Bog!
...
Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém - Também!
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!
Que triste - ser - Alguém!
Que pública - a Fama -
Dizer seu nome - como a Rã -
Para as palmas da Lama!
(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)
Are you - Nobody - Too?
Then there's a pair of us?
Don't tell! they'd advertise - you know!
How dreary - to be - Somebody!
How public - like a Frog -
To tell one's name - the livelong June -
To an admiring Bog!
...
Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém - Também!
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!
Que triste - ser - Alguém!
Que pública - a Fama -
Dizer seu nome - como a Rã -
Para as palmas da Lama!
(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)
domingo, 30 de outubro de 2011
René Char
Feuillets d'Hypnos
Folhas de Hipnos
(1943-1944)
À Albert Camus
21
Amer avenir, amer avenir, bal parmi les rosiers...
Amargo porvir, amargo porvir, baile entre as roseiras...
28
Il existe une sorte d'homme toujours en avance sur ses excréments.
Há uma espécie de homem que está sempre à frente de seus excrementos.
62
Notre héritage n'est précédé d'aucun testament.
Nenhum testamento precede nossa herança.
110
L'éternité n'est guère plus longue que la vie.
A eternidade não é muito maior que a vida.
165
Le fruit est aveugle. C'est l'arbre qui voit.
O fruto é cego. É a árvore quem vê.
(in Fureur et mystère, Gallimard, 2007)
Folhas de Hipnos
(1943-1944)
À Albert Camus
21
Amer avenir, amer avenir, bal parmi les rosiers...
Amargo porvir, amargo porvir, baile entre as roseiras...
28
Il existe une sorte d'homme toujours en avance sur ses excréments.
Há uma espécie de homem que está sempre à frente de seus excrementos.
62
Notre héritage n'est précédé d'aucun testament.
Nenhum testamento precede nossa herança.
110
L'éternité n'est guère plus longue que la vie.
A eternidade não é muito maior que a vida.
165
Le fruit est aveugle. C'est l'arbre qui voit.
O fruto é cego. É a árvore quem vê.
(in Fureur et mystère, Gallimard, 2007)
Mario Quintana (2)
ENVELHECER
Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
(in Os melhores poemas de Mario Quintana, seleção Fausto Cunha, São Paulo, Global, 2002)
Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
(in Os melhores poemas de Mario Quintana, seleção Fausto Cunha, São Paulo, Global, 2002)
Mario Quintana
O AUTO-RETRATO
No retrato que me faço
− traço a traço −
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...
Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembranças...
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...
E, desta lida, em que busco
− pouco a pouco −
Minha eterna semelhança,
No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
(in Os melhores poemas de Mario Quintana, seleção Fausto Cunha, São Paulo, Global, 2002)
No retrato que me faço
− traço a traço −
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...
Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembranças...
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...
E, desta lida, em que busco
− pouco a pouco −
Minha eterna semelhança,
No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
(in Os melhores poemas de Mario Quintana, seleção Fausto Cunha, São Paulo, Global, 2002)
Anna Akhmátova
Para N. V. N.
Dentro de cada ser há um segredo
a que nem a paixão consegue acesso,
inda que os lábios fundam-se num beijo
e o coração de amor se despedace.
Os anos e a amizade incapazes
são de obter a ventura calcinante,
quando a alma liberta é estrangeira
à lenta lassidão voluptuosa.
Os que a procuram já são quase loucos.
Os que a alcançam, mata-os a tristeza...
Agora tu entenderás por que
meu coração não pulsa em tuas mãos.
Maio de 1915
Petersburgo
(in Antologia Poética, trad. Lauro Machado Coelho, Porto Alegre, L&PM, 2009)
Dentro de cada ser há um segredo
a que nem a paixão consegue acesso,
inda que os lábios fundam-se num beijo
e o coração de amor se despedace.
Os anos e a amizade incapazes
são de obter a ventura calcinante,
quando a alma liberta é estrangeira
à lenta lassidão voluptuosa.
Os que a procuram já são quase loucos.
Os que a alcançam, mata-os a tristeza...
Agora tu entenderás por que
meu coração não pulsa em tuas mãos.
Maio de 1915
Petersburgo
(in Antologia Poética, trad. Lauro Machado Coelho, Porto Alegre, L&PM, 2009)
e. m. de melo e castro
CAMINHOS
é pela rua abaixo
que as pessoas sobem
ao patamar do conhecimento
é no patamar do conhecimento
que as pessoas descem
pensadamente a rua
a rua não é mais
que um elemento da paisagem
a paisagem
é casas / caras / carros
confluindo para o desconhecimento
(in Neo-Poemas-Pagãos, São Paulo, Annablume, 2010)
é pela rua abaixo
que as pessoas sobem
ao patamar do conhecimento
é no patamar do conhecimento
que as pessoas descem
pensadamente a rua
a rua não é mais
que um elemento da paisagem
a paisagem
é casas / caras / carros
confluindo para o desconhecimento
(in Neo-Poemas-Pagãos, São Paulo, Annablume, 2010)
domingo, 23 de outubro de 2011
Olga Orozco
Un relámpago, apenas
Frente al espejo, yo, la inevitable:
nada que agradecer en los últimos años,
nada, ni siquiera la paz con las señales de los
renunciamientos,
con su color inmóvil.
Esta piel no registra tampoco el esplendor del paso
de los ángeles,
sino sólo aridez, o apenas la escritura desolada del
tiempo.
Esta boca no canta.
Ancha boca sellada por el último beso, por el último adiós,
es una larga estría en un mármol de invierno.
Pero ninguna marca delata los abismos
-ah intolerables vértigos, pesadillas como un túnel
sin fin-
bajo el sedoso engaño de la frente que apenas si
dibuja unas alas en vuelo.
¿Y qué pretenden ver estos ojos que indagan la
distancia
hasta donde comienza la región de las brumas,
ciudades congeladas, catedrales de sal y el oro viejo
del sol decapitado?
Estos ojos que vienen de muy lejos saben ver más allá,
hasta donde se quiebran las últimas astillas del reflejo.
Entonces apareces, envuelto por el vaho de la más
lejanísima frontera,
y te buscas en mí que casi ya no estoy, o apenas si
soy yo,
entera todavía,
y los dos resurgimos como desde un Jordán
guardado en la memoria.
Los mismos otra vez, otra vez en cualquier lugar del mundo,
a pesar de la noche acumulada en todos los rincones, los sollozos y el viento.
Pero no; ya no estamos. Fue un temblor, un relámpago, un suspiro,
el tiempo del milagro y la caída.
Se destempló el azogue, se agitaron las aguas y te arrastró el oleaje
más allá de la última frontera, hasta detrás del
vidrio.
Imposible pasar.
Aqui, frente al espejo, yo, la inevitable:
una imagen en sombras y toda la soledad
multiplicada.
(in Últimos poemas, Ediciones Brughera, Barcelona, 2009)
Frente al espejo, yo, la inevitable:
nada que agradecer en los últimos años,
nada, ni siquiera la paz con las señales de los
renunciamientos,
con su color inmóvil.
Esta piel no registra tampoco el esplendor del paso
de los ángeles,
sino sólo aridez, o apenas la escritura desolada del
tiempo.
Esta boca no canta.
Ancha boca sellada por el último beso, por el último adiós,
es una larga estría en un mármol de invierno.
Pero ninguna marca delata los abismos
-ah intolerables vértigos, pesadillas como un túnel
sin fin-
bajo el sedoso engaño de la frente que apenas si
dibuja unas alas en vuelo.
¿Y qué pretenden ver estos ojos que indagan la
distancia
hasta donde comienza la región de las brumas,
ciudades congeladas, catedrales de sal y el oro viejo
del sol decapitado?
Estos ojos que vienen de muy lejos saben ver más allá,
hasta donde se quiebran las últimas astillas del reflejo.
Entonces apareces, envuelto por el vaho de la más
lejanísima frontera,
y te buscas en mí que casi ya no estoy, o apenas si
soy yo,
entera todavía,
y los dos resurgimos como desde un Jordán
guardado en la memoria.
Los mismos otra vez, otra vez en cualquier lugar del mundo,
a pesar de la noche acumulada en todos los rincones, los sollozos y el viento.
Pero no; ya no estamos. Fue un temblor, un relámpago, un suspiro,
el tiempo del milagro y la caída.
Se destempló el azogue, se agitaron las aguas y te arrastró el oleaje
más allá de la última frontera, hasta detrás del
vidrio.
Imposible pasar.
Aqui, frente al espejo, yo, la inevitable:
una imagen en sombras y toda la soledad
multiplicada.
(in Últimos poemas, Ediciones Brughera, Barcelona, 2009)
e. e. cummings (4)
un(bee)mo
vi
n(in)g
are(th
e)you(o
nly)
asl(rose)eep
...
i(abe)mó
v
e(lha)l
você(n
a)está(ú
nica)
dorm(rosa)indo
(in poem(a)s, trad. Augusto de Campos, Editora Unicamp, 2011)
vi
n(in)g
are(th
e)you(o
nly)
asl(rose)eep
...
i(abe)mó
v
e(lha)l
você(n
a)está(ú
nica)
dorm(rosa)indo
(in poem(a)s, trad. Augusto de Campos, Editora Unicamp, 2011)
e. e. cummings (3)
thing no is(of
all things which are
who)so alive
quite as one star
kneeling whom to
(which disappear
will in a now)
i say my here
...
coisa é nenhuma(de
todas as coisas que
são quem)tão bela
como uma só estrela
ajoelhado qual à
(que já vai embora
indo num aqui)
eu digo meu agora
(in poem(a)s, trad. Augusto de Campos, Editora Unicamp, 2011)
all things which are
who)so alive
quite as one star
kneeling whom to
(which disappear
will in a now)
i say my here
...
coisa é nenhuma(de
todas as coisas que
são quem)tão bela
como uma só estrela
ajoelhado qual à
(que já vai embora
indo num aqui)
eu digo meu agora
(in poem(a)s, trad. Augusto de Campos, Editora Unicamp, 2011)
Recital de Piano:
Hadassa Pacheco,
piano
Jovem pianista, graduanda em Música pela Universidade de Brasília, que apresentará recital para a obtenção do grau de Técnico em Instrumento pela Escola de Música de Brasília.
26 de outubro (quarta-feira), às 20h15, no Teatro da Escola de Música de Brasília.
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Lançamento do livro:
curare,
de Ricardo Corona
22 de outubro, a partir das 15h
Espaço Tardanza, Curitiba/PR
Av. Senador Souza Naves, 510, casa 3
Ricardo Corona, autor renomado, é um dos principais expoentes da poesia contemporânea brasileira.
http://espacotardanza.wordpress.com/
de Ricardo Corona
22 de outubro, a partir das 15h
Espaço Tardanza, Curitiba/PR
Av. Senador Souza Naves, 510, casa 3
Ricardo Corona, autor renomado, é um dos principais expoentes da poesia contemporânea brasileira.
http://espacotardanza.wordpress.com/
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Wisława Szymborska (2)
Possibilidades
Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outras coisas com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada ma prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muita coisa que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão.
(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)
Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outras coisas com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada ma prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muita coisa que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão.
(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Wisława Szymborska
Elogio dos sonhos
Nos sonhos
eu pinto como Vermeer van Delft.
Falo grego fluentemente
e não só com os vivos.
Dirijo um carro
que me obedece.
Tenho talento,
escrevo grandes poemas.
Escuto vozes
não menos que os mais veneráveis santos.
Vocês se espantariam
com minha performance ao piano.
Flutuo no ar como se deve
isto é, sozinha.
Ao cair do telhado
desço de manso na relva.
Respiro sem problema
debaixo d'água.
Não reclamo:
consegui descobrir a Atlântida.
Fico feliz de sempre poder acordar
pouco antes de morrer.
Assim que começa a guerra
me viro do melhor lado.
Sou, mas não tenho que ser
filha da minha época.
Faz alguns anos
vi dois sóis.
E anteontem um pinguim.
Com toda a clareza.
(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)
Nos sonhos
eu pinto como Vermeer van Delft.
Falo grego fluentemente
e não só com os vivos.
Dirijo um carro
que me obedece.
Tenho talento,
escrevo grandes poemas.
Escuto vozes
não menos que os mais veneráveis santos.
Vocês se espantariam
com minha performance ao piano.
Flutuo no ar como se deve
isto é, sozinha.
Ao cair do telhado
desço de manso na relva.
Respiro sem problema
debaixo d'água.
Não reclamo:
consegui descobrir a Atlântida.
Fico feliz de sempre poder acordar
pouco antes de morrer.
Assim que começa a guerra
me viro do melhor lado.
Sou, mas não tenho que ser
filha da minha época.
Faz alguns anos
vi dois sóis.
E anteontem um pinguim.
Com toda a clareza.
(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)
sábado, 1 de outubro de 2011
Luiza Neto Jorge (3)
O POEMA
I
Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontado ao coração do homem
falo com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta
e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme
II
Piso do poema
chão de areia
Digo na maneira
mais crua e mais
intensa
de medir o poema
pela medida inteira
o poema em milímetro
de madeira
ou apodrece o poema
ou se ateia
ou se despedaça
a mão ateia
ou cinco seis astros
se percorre
antes que o deserto
mate a fome
(in poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001)
I
Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontado ao coração do homem
falo com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta
e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme
II
Piso do poema
chão de areia
Digo na maneira
mais crua e mais
intensa
de medir o poema
pela medida inteira
o poema em milímetro
de madeira
ou apodrece o poema
ou se ateia
ou se despedaça
a mão ateia
ou cinco seis astros
se percorre
antes que o deserto
mate a fome
(in poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001)
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Recital
Programação cultural. Casa Thomas Jefferson
http://www.thomas.org.br/servi%C3%A7os/agenda-cultural.aspx?an=2011&me=09#10168
Em 30/09/2011
RECITAL DE PIANO
Piano brasileiro: três séculos de música
piano, João Monteiro
Horário: Sexta-feira, 30 de setembro, 20 horas
Local: Casa Thomas Jefferson - Asa Sul - SEP Sul 706/906
(entrada franca)
http://www.thomas.org.br/servi%C3%A7os/agenda-cultural.aspx?an=2011&me=09#10168
Em 30/09/2011
RECITAL DE PIANO
Piano brasileiro: três séculos de música
piano, João Monteiro
Horário: Sexta-feira, 30 de setembro, 20 horas
Local: Casa Thomas Jefferson - Asa Sul - SEP Sul 706/906
(entrada franca)
Mario Benedetti (3)
PIANO
Cuando hace cinco años
se hundió aquel barco tan seguro
con cincuenta pasajeros y un piano steinway
los cincuenta se ahogaron sin remedio
pero el piano en cambio logró sobrevivir
a los tiburones no les gustan las teclas
así que el steinway esperó tranquilo
ahora cuando pasan
siempre que sea de noche
barcos de turismo o de cabotaje
suele haber pasajeros de fino oído
que si el eterno mar está sereno
o mejor serenísimo
perciben atenuados
y sin embargos nítidos
acordes de brahms o de mussorsky
de albeniz o chopin
y luego un golpecito
al cerrarse la tapa
(in El mundo que respiro, Seix Barral / Planeta, Buenos Aires, 2001)
Cuando hace cinco años
se hundió aquel barco tan seguro
con cincuenta pasajeros y un piano steinway
los cincuenta se ahogaron sin remedio
pero el piano en cambio logró sobrevivir
a los tiburones no les gustan las teclas
así que el steinway esperó tranquilo
ahora cuando pasan
siempre que sea de noche
barcos de turismo o de cabotaje
suele haber pasajeros de fino oído
que si el eterno mar está sereno
o mejor serenísimo
perciben atenuados
y sin embargos nítidos
acordes de brahms o de mussorsky
de albeniz o chopin
y luego un golpecito
al cerrarse la tapa
(in El mundo que respiro, Seix Barral / Planeta, Buenos Aires, 2001)
Orides Fontela (4)
ONDE A FONTE?
Onde
a fonte?
Secas mãos conchas
plasmam-se
receptivos leitos
a seu fluxo
Vasos aguardam
pacientes.
Onde a
fonte? Na sede
um frescor nascituro
se acentua.
(in Helianto, 1973)
(in Poesia Reunida, Cosac & Naify, 2006)
Onde
a fonte?
Secas mãos conchas
plasmam-se
receptivos leitos
a seu fluxo
Vasos aguardam
pacientes.
Onde a
fonte? Na sede
um frescor nascituro
se acentua.
(in Helianto, 1973)
(in Poesia Reunida, Cosac & Naify, 2006)
José Paulo Paes (5)
ODE AOS DILUIDORES
invenção
co-invenção
convenção
(in Poesia completa, Companhia das Letras, São Paulo, 2008)
invenção
co-invenção
convenção
(in Poesia completa, Companhia das Letras, São Paulo, 2008)
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Manoel de Barros
CADERNO DE APRENDIZ
2
Invento para me conhecer.
4
Escrever o que não acontece é tarefa da poesia.
7
Sou beato de ouvir a prosa dos rios.
8
Para cantar é preciso perder o interesse de informar.
13
Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos.
14
Eu sustento com palavras o silêncio do meu abandono.
23
Tenho o privilégio de não saber quase tudo.
E isso explica
o resto.
27
Eu vivo no meu relento.
(in Menino do mato, Leya, São Paulo, 2010)
2
Invento para me conhecer.
4
Escrever o que não acontece é tarefa da poesia.
7
Sou beato de ouvir a prosa dos rios.
8
Para cantar é preciso perder o interesse de informar.
13
Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos.
14
Eu sustento com palavras o silêncio do meu abandono.
23
Tenho o privilégio de não saber quase tudo.
E isso explica
o resto.
27
Eu vivo no meu relento.
(in Menino do mato, Leya, São Paulo, 2010)
e. e. cummings (2)
silence
.is
a
looking
bird:the
turn
ing;edge,of
life
(inquiry before snow
silêncio
.é
um
pássaro
lhando:a
vir
ada;canto,da
vida
(inquérito antes da neve
(in O tigre de veludo, trad. Maurício Cardozo, Ed. UnB, 2007)
.is
a
looking
bird:the
turn
ing;edge,of
life
(inquiry before snow
silêncio
.é
um
pássaro
lhando:a
vir
ada;canto,da
vida
(inquérito antes da neve
(in O tigre de veludo, trad. Maurício Cardozo, Ed. UnB, 2007)
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Gilberto Mendonça Teles
FALAVRA
J'ai une maladie: je vois le langage.
(Roland Barthes)
I
Ainda sei da fala e sei da lavra
e sei das pedras nas palavras ásperas.
E sei que o leito da linguagem leixa
pedregulhos na letra.
É como o logro
da poeira na louça ou como o lixo
nos baldios do livro.
Ainda sei da língua e sei da linha
do luxo e suas luvas, amaciando
os calos e os dedais.
E sei da fala
e do ato de lavrá-las na falavra.
(in Poemas, org. Luiz Busatto, ed. Global, São Paulo, 1994)
J'ai une maladie: je vois le langage.
(Roland Barthes)
I
Ainda sei da fala e sei da lavra
e sei das pedras nas palavras ásperas.
E sei que o leito da linguagem leixa
pedregulhos na letra.
É como o logro
da poeira na louça ou como o lixo
nos baldios do livro.
Ainda sei da língua e sei da linha
do luxo e suas luvas, amaciando
os calos e os dedais.
E sei da fala
e do ato de lavrá-las na falavra.
(in Poemas, org. Luiz Busatto, ed. Global, São Paulo, 1994)
Michel Deguy
MOUVEMENT DE MONDE...
Et comment va la vie qui n'est pas éternelle?
Il y eut la clarté Il y eut l'énigme
Puis ce fut
Il y eut l'énigme. Il y eut la clarté
Être parut cela
Il y eut l'énigme il y eut la clarté
Puis fut la terre au centre de la table
Qui sinon ce sera la force des faibles?
MOVIMENTO DE MUNDO...
E como vai a vida que não é eterna?
Houve a claridade Houve o enigma
E então foi feito
Houve o enigma. Houve a claridade
Ser veio a ser isto
Houve o enigma houve a claridade
E então fez-se a terra no centro da mesa
Quem senão será a força dos fracos?
(in A Rosa das Línguas, org. e trad. Paula Glenadel e Marcos Siscar. Cosac & Naify, São Paulo, 2004)
Et comment va la vie qui n'est pas éternelle?
Il y eut la clarté Il y eut l'énigme
Puis ce fut
Il y eut l'énigme. Il y eut la clarté
Être parut cela
Il y eut l'énigme il y eut la clarté
Puis fut la terre au centre de la table
Qui sinon ce sera la force des faibles?
MOVIMENTO DE MUNDO...
E como vai a vida que não é eterna?
Houve a claridade Houve o enigma
E então foi feito
Houve o enigma. Houve a claridade
Ser veio a ser isto
Houve o enigma houve a claridade
E então fez-se a terra no centro da mesa
Quem senão será a força dos fracos?
(in A Rosa das Línguas, org. e trad. Paula Glenadel e Marcos Siscar. Cosac & Naify, São Paulo, 2004)
Yosano Akiko (2)
súbito em volta
há flores nenhuma cor
nem primavera
deus do questionamento
deus da desconfiança
(in Descabelados, trad. Donatella Natili e Álvaro Faleiros, UnB, 2007)
há flores nenhuma cor
nem primavera
deus do questionamento
deus da desconfiança
(in Descabelados, trad. Donatella Natili e Álvaro Faleiros, UnB, 2007)
Lucian Blaga (3)
De profundis
Încǎ un an, o zi, un ceas –
şi drumuri toate s-au retras
de sub picioare, de sub pas.
Încǎ un an, şi-un vis, şi-un somn –
şi-oi fi pe sub pǎmînturi domn
al oaselor de drept dorm.
De profundis
Mais um ano, um dia, um instante –
e as vias que via adiante
Somem de sob meu passo errante.
Mais um ano, um sonho, outro sono –
e sob a terra serei dono
dos ossos que dormem em torno.
(in A grande travessia, trad. Caetano Waldrigues Galindo, Ed. UnB, Brasília, 2005)
Încǎ un an, o zi, un ceas –
şi drumuri toate s-au retras
de sub picioare, de sub pas.
Încǎ un an, şi-un vis, şi-un somn –
şi-oi fi pe sub pǎmînturi domn
al oaselor de drept dorm.
De profundis
Mais um ano, um dia, um instante –
e as vias que via adiante
Somem de sob meu passo errante.
Mais um ano, um sonho, outro sono –
e sob a terra serei dono
dos ossos que dormem em torno.
(in A grande travessia, trad. Caetano Waldrigues Galindo, Ed. UnB, Brasília, 2005)
sábado, 3 de setembro de 2011
Cecília Meireles
Mimetismo
O sábio no jardim sorria
do artifício da borboleta
convertida em folha amarela
até com manchas e defeitos.
O sábio sorria daquela
mentira. Ó colorido embuste!
Ó fingimento desenhado
por cegos presságios e sustos!
Para salvar seu breve tempo,
- tempo de inseto! - dom dos vivos,
tinha a borboleta bordado
seu sigiloso mimetismo.
(Atrás das máscaras, que morte
pode alcançar o oculto pólo
sensível, no pulsante abismo
onde a hora do existir se acolhe?)
(in O Estudante Empírico, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2005)
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
Programação cultural. Casa Thomas Jefferson
Em Setembro de 2011, a Agenda Cultural da Casa Thomas Jefferson, em Brasília, terá cinco sextas-feiras dedicadas à música erudita:
http://www.thomas.org.br/servi%C3%A7os/agenda-cultural.aspx?an=2011&me=09#10168
Em 30/09/2011
RECITAL DE PIANO
Piano brasileiro: três séculos de música
piano, João Monteiro
Horário: Sexta-feira, 30 de setembro, 20 horas
Local: Casa Thomas Jefferson - Asa Sul - SEP Sul 706/906
(entrada franca)
http://www.thomas.org.br/servi%C3%A7os/agenda-cultural.aspx?an=2011&me=09#10168
Em 30/09/2011
RECITAL DE PIANO
Piano brasileiro: três séculos de música
piano, João Monteiro
Horário: Sexta-feira, 30 de setembro, 20 horas
Local: Casa Thomas Jefferson - Asa Sul - SEP Sul 706/906
(entrada franca)
Ferreira Gullar (2)
PERPLEXIDADES
a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência
de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado
(in Em alguma parte alguma, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 2010)
domingo, 28 de agosto de 2011
poemetos pontuais
ponto de vista
ponto na vista
ponto em vista
invista no ponto
...
ponto ponto ponto
três pontos mais
me sairiam um tombo
...
no topo do ponto
há uma esfera
que é o próprio ponto
tombado
Maurício Segall
COLCHÃO
Estou a prumo
vislumbro o musgo
na rocha fêmea
terra
no lusco-fusco
repouso meu corpo
neste coxim
pedra
(in Dos bastidores à ribalta, Iluminuras, São Paulo, 2002)
sábado, 27 de agosto de 2011
Ferreira Gullar
INSETO
Um inseto é mais complexo que um poema
Não tem autor
Move-o uma obscura energia
Um inseto é mais complexo que uma hidrelétrica
Também mais complexo
que uma hidrelétrica
é um poema
(menos complexo que um inseto)
e pode às vezes
(o poema)
com sua energia
iluminar a avenida
ou quem sabe
uma vida
(in Em alguma parte alguma, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 2010)
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Jorge Manrique
1.
Recuerde el alma dormida,
avive el seso y despierte
contemplando
cómo se pasa la vida,
cómo se viene la muerte
tan callando;
cuán presto se va el placer,
cómo, después de acordado
da dolor,
cómo, a nuestro parecer,
cualquiera tiempo pasado
fue mejor.
(in Coplas, ed. de Amparo Medina-Bocos, ed. Edaf, Madrid, 2007)
Recuerde el alma dormida,
avive el seso y despierte
contemplando
cómo se pasa la vida,
cómo se viene la muerte
tan callando;
cuán presto se va el placer,
cómo, después de acordado
da dolor,
cómo, a nuestro parecer,
cualquiera tiempo pasado
fue mejor.
(in Coplas, ed. de Amparo Medina-Bocos, ed. Edaf, Madrid, 2007)
domingo, 21 de agosto de 2011
San Juan de la Cruz
Coplas de el alma que pena por ver a Dios
Vivo sin vivir en mí.
y de tal manera espero
que muero porque no muero.
1.
En mí yo no vivo ya
y sin Dios vivir no puedo
pues sin él y sin mí quedo
este vivir qué será?
Mil muertes se me hará
pues mi misma vida espero
muriendo porque no muero.
2.
Esta vida que yo vivo
es privación de vivir
y assi es contino morir
hasta que viva contigo.
Oye mi Dios lo que digo
que esta vida no la quiero
que muero porque no muero.
3.
Estando absente de ti
qué vida puedo tener
sino muerte padescer
la mayor que nunca vi?
Lástima tengo de mí
pues de suerte persevero
que muero porque no muero.
4.
El pez que del agua sale
aun de alibio no caresce
que en la muerte que padesce
al fin la muerte le vale.
Qué muerte habrá que se yguale
a mi vivir lastimero
pues si más vivo más muero?
(...)
8.
Lloraré mi muerte ya
y lamentaré mi vida
en tanto que detenida
por mis pecados está.
O mi Dios, quándo será
quando yo diga de vero
vivo ya porque no muero?
(in Poesía, Catedra, Madrid, 2008)
Vivo sin vivir en mí.
y de tal manera espero
que muero porque no muero.
1.
En mí yo no vivo ya
y sin Dios vivir no puedo
pues sin él y sin mí quedo
este vivir qué será?
Mil muertes se me hará
pues mi misma vida espero
muriendo porque no muero.
2.
Esta vida que yo vivo
es privación de vivir
y assi es contino morir
hasta que viva contigo.
Oye mi Dios lo que digo
que esta vida no la quiero
que muero porque no muero.
3.
Estando absente de ti
qué vida puedo tener
sino muerte padescer
la mayor que nunca vi?
Lástima tengo de mí
pues de suerte persevero
que muero porque no muero.
4.
El pez que del agua sale
aun de alibio no caresce
que en la muerte que padesce
al fin la muerte le vale.
Qué muerte habrá que se yguale
a mi vivir lastimero
pues si más vivo más muero?
(...)
8.
Lloraré mi muerte ya
y lamentaré mi vida
en tanto que detenida
por mis pecados está.
O mi Dios, quándo será
quando yo diga de vero
vivo ya porque no muero?
(in Poesía, Catedra, Madrid, 2008)
Tang (2)
Queria eu, esconder-me na montanha. Estudar a Via.
Mas não aguento, o frio - nem suporto, a fome.
(China: Dinastia Tang, 618-907 d.C.)
(in poemas anônimos, por Gil de Carvalho, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004)
Tang
A árvore de alta montanha
Padece do vento e da chuva.
A árvore da beira da estrada
Padece - do machado e machete.
(China: Dinastia Tang, 618-907 d.C.)
(in poemas anônimos, por Gil de Carvalho, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004)
Yosano Akiko
o vento sobre
o campo desolado
lamento de deus
por deixar as multidões
de flores amarem-se
(in Descabelados, trad. Donatella Natili e Álvaro Faleiros, UnB, 2007)
e. e. cummings
Beautiful
is the
unmea
ning
of(sil
ently)fal
ling(e
ver
yw
here)s
Now
...
Belo
é o
in signi
ficante
ca(sil
ente)ir da
gar(em
tod
olu
gar)oa
Agora
(in O tigre de veludo, trad. Maurício Cardozo, Ed. UnB, 2007)
is the
unmea
ning
of(sil
ently)fal
ling(e
ver
yw
here)s
Now
...
Belo
é o
in signi
ficante
ca(sil
ente)ir da
gar(em
tod
olu
gar)oa
Agora
(in O tigre de veludo, trad. Maurício Cardozo, Ed. UnB, 2007)
Georg Trakl
AMÉM
Decomposição deslizando pelo quarto podre;
Sombras no papel de parede amarelo; em escuros espelhos se
Curva a tristeza ebúrnea de nossas mãos.
Pérolas marrons correm pelos dedos falecidos.
No silêncio
Abrem-se azuis os olhos-papoula de um anjo.
Azul é também a tarde;
O momento de nossa morte, a sombra de Azrael,
Que escurece um jardinzinho marrom.
(in De Profundis, trad. Cláudia Cavalcanti, Iluminuras, 2010)
Luiza Neto Jorge (2)
FÁBULA
O animal entende-se:
tem cascos põe-os a render
em pele aquece
fecha-se nos olhos para adormecer
tudo quanto lembra esquece
Dispende-se.
Permanece.
(in poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001)
O animal entende-se:
tem cascos põe-os a render
em pele aquece
fecha-se nos olhos para adormecer
tudo quanto lembra esquece
Dispende-se.
Permanece.
(in poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001)
Emil Cioran (2)
O medo de sermos ludibriados é a versão vulgar da busca pela Verdade.
Toda conquista, não importa de que ordem, implica empobrecimento interior: embaça a lembrança do que somos e tolhe a valia de nossos limites.
(in De l'inconvénient d'être né, Gallimard, 2009)
Toda conquista, não importa de que ordem, implica empobrecimento interior: embaça a lembrança do que somos e tolhe a valia de nossos limites.
(in De l'inconvénient d'être né, Gallimard, 2009)
sábado, 20 de agosto de 2011
introdução a um diálogo inocente (ou otimizar)
- cê tá bem?
- tô ótimo
tá tudo ótimo
- que bom...
que ótimo que cê tá ótimo
eu não tô...
eu não tô tão ótimo
eu não tom tão átimo
eu não tô no tom
- que nada...
cê tá bem!
- tô ótimo
Orides Fontela (3)
MEMÓRIA
A cicatriz, talvez
não indelével
o sangue
agora
estigma.
VER
Ver
o avesso
do sol o
ventre
do caos os
ossos.
Ver. Ver-se.
Não dizer nada.
(in Teia, 1996)
(in Poesia Reunida, Cosac & Naify, 2006)
Francisco Alvim (2)
HISTÓRIA NATURAL
Diz que o caramujo
músculo sem gemido
não cabe mais na concha
do seu prazer espremido
(in Dia sim dia não, 1978)
(in Poemas, Cosac & Naify, 2004)
Emil Cioran
Não existe sensação falsa.
Viver é perder terreno.
A preciosa salvaguarda da solidão depende de nossa habilidade para magoar os outros, a começar por aqueles que amamos.
Apenas uma coisa importa: aprender a perder.
O aforismo? Fogo sem chama. E, assim, muitos não creem no seu calor.
(in De l'inconvénient d'être né, Gallimard, 2009)
Viver é perder terreno.
A preciosa salvaguarda da solidão depende de nossa habilidade para magoar os outros, a começar por aqueles que amamos.
Apenas uma coisa importa: aprender a perder.
O aforismo? Fogo sem chama. E, assim, muitos não creem no seu calor.
(in De l'inconvénient d'être né, Gallimard, 2009)
domingo, 14 de agosto de 2011
Lucian Blaga (2)
Não me pressentes?
Não me pressentes a loucura quando escuta
como em mim murmura a vida
como um jorro
impetuoso em cavernas ressoantes?
Não me pressentes a chama quando nos braços
Estremeces-me como gota
de orvalho vestida
de um raio de luz?
Não me pressentes o amor quando miro
com paixão teu abismo
e te digo:
Ó, jamais vi Deus
maior!?
(in A grande travessia, trad. Caetano Waldrigues Galindo, Ed. UnB, Brasília, 2005)
Não me pressentes a loucura quando escuta
como em mim murmura a vida
como um jorro
impetuoso em cavernas ressoantes?
Não me pressentes a chama quando nos braços
Estremeces-me como gota
de orvalho vestida
de um raio de luz?
Não me pressentes o amor quando miro
com paixão teu abismo
e te digo:
Ó, jamais vi Deus
maior!?
(in A grande travessia, trad. Caetano Waldrigues Galindo, Ed. UnB, Brasília, 2005)
sábado, 13 de agosto de 2011
Dúvidas de pronúncia?
Sabe o nome daquele autor cazaque (cazaquistanês) que você sempre desejou pronunciar corretamente, mas nunca obteve uma fonte segura de consulta?
SEUS PROBLEMAS ACABARAM:
http://pt.forvo.com/
Esse site é maravilhoso. Recebe colaboração de pessoas nativas das respectivas línguas.
Lucian Blaga
AUTOPORTRET
Lucian Blaga e mut ca o lebădă.
În patria sa
zăpada făpturii ţine loc de cuvânt.
Sufletul lui e în căutare
în muta, seculara căutare
de totdeauna,
şi până la cele din urmă hotare.
El caută apa din care bea curcubeul.
El caută apa,
din care curcubeul
îşi bea frumuseţea şi nefiinţa.
...
AUTO-RETRATO
Lucian Blaga está mudo como um cisne.
Em sua pátria
a neve dos seres tomou o lugar do Verbo.
Seu espírito reside em buscar,
em muda busca secular,
desde sempre,
e até ao último lugar.
Ele busca a água de que bebe o arco-íris.
Ele busca a água,
de que o arco-íris
bebe sua beleza e seu não-ser.
(in A grande travessia, trad. Caetano Waldrigues Galindo, Ed. UnB, Brasília, 2005)
Lucian Blaga e mut ca o lebădă.
În patria sa
zăpada făpturii ţine loc de cuvânt.
Sufletul lui e în căutare
în muta, seculara căutare
de totdeauna,
şi până la cele din urmă hotare.
El caută apa din care bea curcubeul.
El caută apa,
din care curcubeul
îşi bea frumuseţea şi nefiinţa.
...
AUTO-RETRATO
Lucian Blaga está mudo como um cisne.
Em sua pátria
a neve dos seres tomou o lugar do Verbo.
Seu espírito reside em buscar,
em muda busca secular,
desde sempre,
e até ao último lugar.
Ele busca a água de que bebe o arco-íris.
Ele busca a água,
de que o arco-íris
bebe sua beleza e seu não-ser.
(in A grande travessia, trad. Caetano Waldrigues Galindo, Ed. UnB, Brasília, 2005)
domingo, 7 de agosto de 2011
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Ricardo Corona
MÚSICA
: à procura dos teus buracos
: em cada fracta contra o fragmento
: no oco no caos na casa
: à procura de silêncio
: saindo dos teus buracos
(in Corpo sutil, Iluminuras, São Paulo, 2005)
: à procura dos teus buracos
: em cada fracta contra o fragmento
: no oco no caos na casa
: à procura de silêncio
: saindo dos teus buracos
(in Corpo sutil, Iluminuras, São Paulo, 2005)
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
happinessheptacorde
doei
rodo-rodo-rodo
herdo ninho
rio
rodo o rio
hei de render
ninheiro
dor de roer
DINHEIRO.
rodo-rodo-rodo
herdo ninho
rio
rodo o rio
hei de render
ninheiro
dor de roer
DINHEIRO.
José Paulo Paes (4)
Auto-epitáfio nº 2
pra quem pediu sempre tão pouco
o nada é positivamente um exagero
(in socráticas, Companhia das Letras, 2001)
pra quem pediu sempre tão pouco
o nada é positivamente um exagero
(in socráticas, Companhia das Letras, 2001)
sábado, 30 de julho de 2011
Estamira (Marcos Prado)
Estamira, protagonista do documentário de estreia de Marcos Prado, faleceu na última quinta-feira (28.7.11):
Waly Salomão
OCA DO MUNDO
dia sim dia não
noite não noite sim
o mesmo pesadelo
e o marasmo do seu padrão
a floresta cantante nos provoca calafrios
todos os sentenciados eram pendurados nos ganchos
uivos e guinchos e gritos e homens pensos como jacas maduras
verrugas dos sentidos dedurados nos quatro pontos cardeais
caimãs simulavam pirogas
tucanos morcegavam rasantes
corujas e bacuraus invocavam arrepios
abraços de tamanduá-açu
bigornas de aço de arapongas
cataratas desfocavam o cruzeiro do sul
painéis de capoeiras
e blocos de matas desciam cipós de circuitos fechados
olheiros do comando de macaco-prego
manipulavam as glandes das suas pirocas
como se fossem câmaras de vídeo-vigilância
floresta cantante inenarrável
cuja nesga narrável não figurava nunca nada de verossímil
dia sim dia não
noite não noite sim
o mesmo pesadelo
e o marasmo do seu padrão
(in pescados vivos, Rocco, Rio de Janeiro, 2004)
dia sim dia não
noite não noite sim
o mesmo pesadelo
e o marasmo do seu padrão
a floresta cantante nos provoca calafrios
todos os sentenciados eram pendurados nos ganchos
uivos e guinchos e gritos e homens pensos como jacas maduras
verrugas dos sentidos dedurados nos quatro pontos cardeais
caimãs simulavam pirogas
tucanos morcegavam rasantes
corujas e bacuraus invocavam arrepios
abraços de tamanduá-açu
bigornas de aço de arapongas
cataratas desfocavam o cruzeiro do sul
painéis de capoeiras
e blocos de matas desciam cipós de circuitos fechados
olheiros do comando de macaco-prego
manipulavam as glandes das suas pirocas
como se fossem câmaras de vídeo-vigilância
floresta cantante inenarrável
cuja nesga narrável não figurava nunca nada de verossímil
dia sim dia não
noite não noite sim
o mesmo pesadelo
e o marasmo do seu padrão
(in pescados vivos, Rocco, Rio de Janeiro, 2004)
sexta-feira, 29 de julho de 2011
Tema e variação
No anverso da história
mora a sombra dos sentidos.
O verso do sentido
é a sombra da história.
Inverte-se a História
em versos de sombra,
a sombra sem história
é o próprio sentido.
(in gavetário)
mora a sombra dos sentidos.
O verso do sentido
é a sombra da história.
Inverte-se a História
em versos de sombra,
a sombra sem história
é o próprio sentido.
(in gavetário)
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Mario Benedetti (2)
Tampoco
Nadie lo sabe
nadie
ni el río
ni la calle
ni el tiempo
ni el espía
ni el poder
ni el mendigo
ni el juez
ni el labriego
ni el papa
nadie lo sabe
nadie
yo tampoco
(in Remontar la noche)
Nadie lo sabe
nadie
ni el río
ni la calle
ni el tiempo
ni el espía
ni el poder
ni el mendigo
ni el juez
ni el labriego
ni el papa
nadie lo sabe
nadie
yo tampoco
(in Remontar la noche)
José Paulo Paes (3)
Celebridade
(para Raduan Nassar)
Eu sou o poeta mais importante
da minha rua.
(Mesmo porque a minha rua
é curta.)
(in socráticas, Companhia das Letras, 2001)
(para Raduan Nassar)
Eu sou o poeta mais importante
da minha rua.
(Mesmo porque a minha rua
é curta.)
(in socráticas, Companhia das Letras, 2001)
domingo, 24 de julho de 2011
Angela Melim
DA JANELA
A lua cheia me chamou
vim ver
cortinas em fiapos
abrefechando
buracos
negros
fulminando luz e atrás
o morro recortado
a massa escura da mata
as casas tomadas
fachadas desmaiadas
exaustas de furor.
A lua chamou.
(in Possibilidades, Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2006)
A lua cheia me chamou
vim ver
cortinas em fiapos
abrefechando
buracos
negros
fulminando luz e atrás
o morro recortado
a massa escura da mata
as casas tomadas
fachadas desmaiadas
exaustas de furor.
A lua chamou.
(in Possibilidades, Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2006)
sábado, 23 de julho de 2011
vestígios de vertigem
canalizando o tempo
ensanguentado
pústula de vento
unguento frágil
pus tumba alento
acalanto paro
a inércia incita
melancolia
ensanguentado
pústula de vento
unguento frágil
pus tumba alento
acalanto paro
a inércia incita
melancolia
Arseniĭ Tarkovskiĭ
PELA MANHÃ dentro esperei ontem,
Diziam eles que não virias, supunham.
Maravilhoso dia, lembras-te?
Um feriado! – Dispensa casaco.
Hoje vieste, e o dia pôs-se
soturno, de chumbo,
e chovia, fazendo-se tarde,
com gotículas na ramagem fria.
Não pode a palavra mitigar, nem o lenço devolver pureza.
(in 8 ícones, trad. Paulo da Costa Domingos, assírio & alvim, Lisboa, 1987)
Diziam eles que não virias, supunham.
Maravilhoso dia, lembras-te?
Um feriado! – Dispensa casaco.
Hoje vieste, e o dia pôs-se
soturno, de chumbo,
e chovia, fazendo-se tarde,
com gotículas na ramagem fria.
Não pode a palavra mitigar, nem o lenço devolver pureza.
(in 8 ícones, trad. Paulo da Costa Domingos, assírio & alvim, Lisboa, 1987)
Antônio Mariano
Angústia de um computador
Por algum tempo pensei
que a língua fosse o mundo
e as idéias, pessoas.
Esperava um contato.
Não encontrei palavra.
Esperava um verbo
e encontrei solidão.
(in guarda-chuvas esquecidos, Lamparina, Rio de Janeiro, 2005)
Por algum tempo pensei
que a língua fosse o mundo
e as idéias, pessoas.
Esperava um contato.
Não encontrei palavra.
Esperava um verbo
e encontrei solidão.
(in guarda-chuvas esquecidos, Lamparina, Rio de Janeiro, 2005)
quinta-feira, 21 de julho de 2011
domingo, 17 de julho de 2011
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Arthur Rimbaud
Sensation
Par les soirs bleus d’été, j’irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en sentirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.
Je ne parlerai pas, je ne penserai rien:
Mais l’amour infini me montera dans l’âme,*
Et j’irai loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la Nature, – heureux comme avec une femme.
Arthur Rimbaud
Mars 1870
* Há duas versões do poema. Na outra, há variações na pontuação, e uma mudança no sexto verso, que fica: Mais un amour immense entrera dans mon âme.
Sensação
Pelas tardes amenas, por entre arvoredos,
Irei, roçando os trigos, pisar a erva modesta:
Sonhando, sentirei sua frescura em meus dedos
E deixarei o vento banhar minha testa.
Tentarei não falar, nem pensar, nesse instante:
Mas na minha alma, então, subirá a grande chama,
E andarei longe, além, como um boêmio errante,
Pela Mata,– feliz como aos pés de uma dama.
(trad. Paulo Monteiro)
Par les soirs bleus d’été, j’irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en sentirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.
Je ne parlerai pas, je ne penserai rien:
Mais l’amour infini me montera dans l’âme,*
Et j’irai loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la Nature, – heureux comme avec une femme.
Arthur Rimbaud
Mars 1870
* Há duas versões do poema. Na outra, há variações na pontuação, e uma mudança no sexto verso, que fica: Mais un amour immense entrera dans mon âme.
Sensação
Pelas tardes amenas, por entre arvoredos,
Irei, roçando os trigos, pisar a erva modesta:
Sonhando, sentirei sua frescura em meus dedos
E deixarei o vento banhar minha testa.
Tentarei não falar, nem pensar, nesse instante:
Mas na minha alma, então, subirá a grande chama,
E andarei longe, além, como um boêmio errante,
Pela Mata,– feliz como aos pés de uma dama.
(trad. Paulo Monteiro)
quarta-feira, 13 de julho de 2011
terça-feira, 12 de julho de 2011
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Sozinho contra todos (Gaspard Noé)
Autor de “Irreversível” (2002), Gaspard Noé utiliza o “Açougueiro” (do seu curta-metragem “Carne”) para criar um personagem denso, que decide realizar o seu “acerto de contas” após sair da prisão, obcecado pela filha e pautado na intolerância social.
Filme excelente (1998), imprescindível aos amantes do cinema contemporâneo.
imagem: curta-metragem “Carne”.
domingo, 10 de julho de 2011
sábado, 9 de julho de 2011
Murilo Rubião
ALFREDO
“Esta é a geração dos que o buscam, dos que buscam a face do Deus de Jacó”. (Salmos, XXIII, 6)
Cansado eu vim, cansado eu volto.
A nossa primeira desavença conjugal surgiu quando a fera ameaçou descer ao vale. Joaquina, a exemplo da maioria dos habitantes do povoado, estava preocupada com os estranhos rumores que vinham da serra.
Inicialmente pretendeu incutir-me uma tola superstição. Ri-me da sua crendice: um lobisomem?! Era só o que faltava!
Ao verificar que ela não gracejava e se punha impaciente com o meu sarcasmo, quis explicar-lhe que o sobrenatural não existia. Os meus argumentos não foram levados a sério: ambos tínhamos pontos de vista bastante definidos e irremediavelmente antagônicos.
Com o passar dos dias, os gemidos do animal tornaram-se mais nítidos e minha mulher, indignada com o meu ceticismo, praguejava.
Silencioso, eu refletia. Procurava desvendar a origem dos ruídos. Neles vinha uma mensagem opressiva, uma dor de carnes crivadas por agulhas.
Esperei, por algum tempo, que a fera abandonasse o seu refúgio e viesse ao nosso encontro. Como tardasse, saí à sua procura, ignorando os protestos de minha esposa e as ameaças de romper definitivamente comigo, caso eu persistisse nos meus propósitos.
Iniciara a excursão ao amanhecer. Pela tarde, depois da estafante caminhada, encontrei o animal.
Nenhum receio me veio ao defrontá-lo. Ao contrário, fique comovido, sentindo a ternura que emanava dos seus olhos infantis.
Sem fazer qualquer movimento agressivo, de vez em quando levantava a cabeça – pequenina e ridícula – e gemia. Quase achei graça no seu corpo desajeitado de dromedário.
O riso brincou frouxo dentro de mim e não aflorou aos lábios, que se retorceram de pena.
Com muito cuidado para não assustá-lo, fui me aproximando. Uma pequena distância nos separava e, tímido, perguntei o que desejava de nós e a quem dirigia a sua desalentadora mensagem. Nada respondeu.
- De onde veio? Por que não desceu ao povoado? Eu o esperava tanto!
O meu constrangimento aumentava à medida que renovava inutilmente as perguntas.
Em dado momento, vendo que falava em vão, perdi a paciência:
- E o que faz aí, plantado como um idiota no cimo desta montanha?
Parou de gemer e fitou-me com indisfarçável curiosidade. Em seguida, sem tirar o chapéu, murmurou:
- Bebo água.
A frase, pronunciada com dificuldade, numa voz cansada, cheia de tédio, desvendou-me o sentido da mensagem.
Na minha frente estava o meu irmão Alfredo, que ficara para trás, quando procurei em outros lugares a tranquilidade que a planície não me dera.
Tampouco eu viria a encontrá-lo no vale. Por isso vinha buscar-me.
Depois de beijar a sua face crespa, de ter abraçado o seu pescoço magro, enlacei-o com uma corda. Fomos descendo, a passos lentos, em direção à aldeia.
Atravessamos a rua principal, sem que ninguém assomasse à janela, como se a chegada do meu irmão fosse um acontecimento banal. Ocultei a revolta e levei-o pela ruazinha mal calçada que nos conduziria à minha residência.
Joaquina nos aguardava no portão. Sem trocarmos sequer uma palavra, afastei-a com o braço. Contudo, ela voltou ao mesmo lugar. Deu-me um empurrão e disse não consentir em hospedar em nossa casa semelhante animal.
- Animal é a vó. Este é meu irmão Alfredo. Não admito que o insulte assim.
- Já que não admite, sumam daqui os dois!
Alfredo, que assistia à nossa discussão com total desinteresse, entrou na conversa, dando um aparte fora de hora:
- Muito interessante. Esta senhora tem dois olhos: um verde e outro azul.
Irritada com a observação, Joaquina deu-lhe um tapa no rosto, enquanto ele, humilhado, abaixava a cabeça.
Tive ímpetos de espancar minha mulher, mas meu irmão se pôs a caminhar vagarosamente, arrastando-me pela corda que eu segurava nas mãos.
Ao anoitecer, encontramo-nos novamente no alto da serra. Lá embaixo, pequenas luzes indicavam a existência do povoado. A fome e o cansaço me oprimiam: todavia, não pude evitar que o meu passado se desenrolasse, penoso, diante de mim. Veio recortado, brutal.
(– Joaquim Boaventura, filho de uma égua! – As mãos grossas, enormes, avançaram para o meu pescoço. Deixei cair o pedaço de mão que roubara e esperei apavorado, o castigo.)
Filho de uma égua. Como tinha sido ilusória a minha fuga da planície, pensando encontrar a felicidade do outro lado das montanhas. Filho de uma égua!
***
Alfredo pediu-me que descansássemos um pouco. Sentou-se sobre as pernas e deixou que eu lhe acariciasse a cabeça.
Também ele caminhara muito e inutilmente. Porém, na sua fuga, fora demasiado longe, tentando isolar-se, escapar aos homens, ao passo que eu apenas buscara no vale uma serenidade impossível de ser encontrada.
De início, Alfredo pensou que a solução seria transformar-se num porco, convencido da impossibilidade de conviver com seus semelhantes, a se entredevorarem no ódio. Tentou apaziguá-los e voltaram-se contra ele.
Transformado em porco, perdeu o sossego. Levava o tempo fossando o chão lamacento. E ainda tinha que lutar contra os companheiros, sem que, para isso, houvesse um motivo relevante.
Imaginou, então, que fundir-se numa nuvem é que resolvia. Resolvia o quê? Tinha que resolver algo. Foi nesse instante que lhe ocorreu transmudar-se no verbo “resolver”.
E o porco se fez verbo. Um pequenino verbo, inconjugável.
Entretanto, o verbo “resolver” é, obviamente, a solução dos problemas, o remédio dos males. Nessa condição, não teve descanso, resolvendo assuntos, deixando de solucionar a maioria deles. Mas, quando lhe pediram que desse um jeito em mais uma briga familiar, recusou-se:
- Isso é que não!
E transformou-se em dromedário, esperando que beber água o resto da vida seria um ofício menos extenuante.
A madrugada ainda nos encontrou no alto da serra. Espiei pela última vez o povoado, sob a névoa da garoa que caía. Perdera mais uma jornada ao procurar nas montanhas refúgio contra as náuseas do passado. De novo, teria que peregrinar por terras estranhas. Atravessaria outras cordilheiras, azuis como todas elas. Alcançaria vales e planícies, ouvindo rolar as pedras, sentindo o frio das manhãs sem sol. E agora sem a esperança de um paradeiro.
Alfredo, enternecido com a melancolia que machucava os meus olhos, passou de leve na minha face a sua áspera língua. Levantando-me, puxei-o pela corda e fomos descendo lentamente a serra.
Sim. Cansado eu vim, cansado eu volto.
(in Obra completa, Companhia das Letras, São Paulo, 2010)
“Esta é a geração dos que o buscam, dos que buscam a face do Deus de Jacó”. (Salmos, XXIII, 6)
Cansado eu vim, cansado eu volto.
A nossa primeira desavença conjugal surgiu quando a fera ameaçou descer ao vale. Joaquina, a exemplo da maioria dos habitantes do povoado, estava preocupada com os estranhos rumores que vinham da serra.
Inicialmente pretendeu incutir-me uma tola superstição. Ri-me da sua crendice: um lobisomem?! Era só o que faltava!
Ao verificar que ela não gracejava e se punha impaciente com o meu sarcasmo, quis explicar-lhe que o sobrenatural não existia. Os meus argumentos não foram levados a sério: ambos tínhamos pontos de vista bastante definidos e irremediavelmente antagônicos.
Com o passar dos dias, os gemidos do animal tornaram-se mais nítidos e minha mulher, indignada com o meu ceticismo, praguejava.
Silencioso, eu refletia. Procurava desvendar a origem dos ruídos. Neles vinha uma mensagem opressiva, uma dor de carnes crivadas por agulhas.
Esperei, por algum tempo, que a fera abandonasse o seu refúgio e viesse ao nosso encontro. Como tardasse, saí à sua procura, ignorando os protestos de minha esposa e as ameaças de romper definitivamente comigo, caso eu persistisse nos meus propósitos.
Iniciara a excursão ao amanhecer. Pela tarde, depois da estafante caminhada, encontrei o animal.
Nenhum receio me veio ao defrontá-lo. Ao contrário, fique comovido, sentindo a ternura que emanava dos seus olhos infantis.
Sem fazer qualquer movimento agressivo, de vez em quando levantava a cabeça – pequenina e ridícula – e gemia. Quase achei graça no seu corpo desajeitado de dromedário.
O riso brincou frouxo dentro de mim e não aflorou aos lábios, que se retorceram de pena.
Com muito cuidado para não assustá-lo, fui me aproximando. Uma pequena distância nos separava e, tímido, perguntei o que desejava de nós e a quem dirigia a sua desalentadora mensagem. Nada respondeu.
- De onde veio? Por que não desceu ao povoado? Eu o esperava tanto!
O meu constrangimento aumentava à medida que renovava inutilmente as perguntas.
Em dado momento, vendo que falava em vão, perdi a paciência:
- E o que faz aí, plantado como um idiota no cimo desta montanha?
Parou de gemer e fitou-me com indisfarçável curiosidade. Em seguida, sem tirar o chapéu, murmurou:
- Bebo água.
A frase, pronunciada com dificuldade, numa voz cansada, cheia de tédio, desvendou-me o sentido da mensagem.
Na minha frente estava o meu irmão Alfredo, que ficara para trás, quando procurei em outros lugares a tranquilidade que a planície não me dera.
Tampouco eu viria a encontrá-lo no vale. Por isso vinha buscar-me.
Depois de beijar a sua face crespa, de ter abraçado o seu pescoço magro, enlacei-o com uma corda. Fomos descendo, a passos lentos, em direção à aldeia.
Atravessamos a rua principal, sem que ninguém assomasse à janela, como se a chegada do meu irmão fosse um acontecimento banal. Ocultei a revolta e levei-o pela ruazinha mal calçada que nos conduziria à minha residência.
Joaquina nos aguardava no portão. Sem trocarmos sequer uma palavra, afastei-a com o braço. Contudo, ela voltou ao mesmo lugar. Deu-me um empurrão e disse não consentir em hospedar em nossa casa semelhante animal.
- Animal é a vó. Este é meu irmão Alfredo. Não admito que o insulte assim.
- Já que não admite, sumam daqui os dois!
Alfredo, que assistia à nossa discussão com total desinteresse, entrou na conversa, dando um aparte fora de hora:
- Muito interessante. Esta senhora tem dois olhos: um verde e outro azul.
Irritada com a observação, Joaquina deu-lhe um tapa no rosto, enquanto ele, humilhado, abaixava a cabeça.
Tive ímpetos de espancar minha mulher, mas meu irmão se pôs a caminhar vagarosamente, arrastando-me pela corda que eu segurava nas mãos.
Ao anoitecer, encontramo-nos novamente no alto da serra. Lá embaixo, pequenas luzes indicavam a existência do povoado. A fome e o cansaço me oprimiam: todavia, não pude evitar que o meu passado se desenrolasse, penoso, diante de mim. Veio recortado, brutal.
(– Joaquim Boaventura, filho de uma égua! – As mãos grossas, enormes, avançaram para o meu pescoço. Deixei cair o pedaço de mão que roubara e esperei apavorado, o castigo.)
Filho de uma égua. Como tinha sido ilusória a minha fuga da planície, pensando encontrar a felicidade do outro lado das montanhas. Filho de uma égua!
***
Alfredo pediu-me que descansássemos um pouco. Sentou-se sobre as pernas e deixou que eu lhe acariciasse a cabeça.
Também ele caminhara muito e inutilmente. Porém, na sua fuga, fora demasiado longe, tentando isolar-se, escapar aos homens, ao passo que eu apenas buscara no vale uma serenidade impossível de ser encontrada.
De início, Alfredo pensou que a solução seria transformar-se num porco, convencido da impossibilidade de conviver com seus semelhantes, a se entredevorarem no ódio. Tentou apaziguá-los e voltaram-se contra ele.
Transformado em porco, perdeu o sossego. Levava o tempo fossando o chão lamacento. E ainda tinha que lutar contra os companheiros, sem que, para isso, houvesse um motivo relevante.
Imaginou, então, que fundir-se numa nuvem é que resolvia. Resolvia o quê? Tinha que resolver algo. Foi nesse instante que lhe ocorreu transmudar-se no verbo “resolver”.
E o porco se fez verbo. Um pequenino verbo, inconjugável.
Entretanto, o verbo “resolver” é, obviamente, a solução dos problemas, o remédio dos males. Nessa condição, não teve descanso, resolvendo assuntos, deixando de solucionar a maioria deles. Mas, quando lhe pediram que desse um jeito em mais uma briga familiar, recusou-se:
- Isso é que não!
E transformou-se em dromedário, esperando que beber água o resto da vida seria um ofício menos extenuante.
A madrugada ainda nos encontrou no alto da serra. Espiei pela última vez o povoado, sob a névoa da garoa que caía. Perdera mais uma jornada ao procurar nas montanhas refúgio contra as náuseas do passado. De novo, teria que peregrinar por terras estranhas. Atravessaria outras cordilheiras, azuis como todas elas. Alcançaria vales e planícies, ouvindo rolar as pedras, sentindo o frio das manhãs sem sol. E agora sem a esperança de um paradeiro.
Alfredo, enternecido com a melancolia que machucava os meus olhos, passou de leve na minha face a sua áspera língua. Levantando-me, puxei-o pela corda e fomos descendo lentamente a serra.
Sim. Cansado eu vim, cansado eu volto.
(in Obra completa, Companhia das Letras, São Paulo, 2010)
sexta-feira, 8 de julho de 2011
Jorge Luis Borges
SONETO AL VINO
¿En qué reino, en qué siglo, bajo qué silenciosa
Conjunción de los astros, en qué secreto día
Que el mármol no ha salvado, surgió la valerosa
Y singular idea de inventar la alegría?
Con otoños de oro la inventaron. El vino
Fluye rojo a lo largo de las generaciones
Como el río del tiempo y en el arduo camino
Nos prodiga su música, su fuego y sus leones.
En la noche del júbilo o en la jornada adversa
Exalta la alegría o mitiga el espanto
Y el ditirambo nuevo que este día le canto
Otrora lo cantaron el árabe y el persa.
Vino, enséñame el arte de ver mi propia historia
Como si ésta ya fuera ceniza en la memoria.
(in “El otro, el mismo”, Buenos Aires, 1964)
¿En qué reino, en qué siglo, bajo qué silenciosa
Conjunción de los astros, en qué secreto día
Que el mármol no ha salvado, surgió la valerosa
Y singular idea de inventar la alegría?
Con otoños de oro la inventaron. El vino
Fluye rojo a lo largo de las generaciones
Como el río del tiempo y en el arduo camino
Nos prodiga su música, su fuego y sus leones.
En la noche del júbilo o en la jornada adversa
Exalta la alegría o mitiga el espanto
Y el ditirambo nuevo que este día le canto
Otrora lo cantaron el árabe y el persa.
Vino, enséñame el arte de ver mi propia historia
Como si ésta ya fuera ceniza en la memoria.
(in “El otro, el mismo”, Buenos Aires, 1964)
Roque Dalton
DIFUNTO SÓLO
Te han llevado a enterrar casi a empujones
bajo un cielo de planta manchado de palomas.
Todo el mundo contento: en adelante
ibas a ser problema de la tierra,
larga semilla, sótano de la grama.
Con el apuro no alcanzó para la cruz, pues este duro
leño con cuernos no remeda cruz.
Y el girasol salvaje
–regado con pipí del hijo del guarda–
apenas haga frío morirá.
Pobrecitos los muertos –se diría al mirarte–
¡Qué cosa más jodida es descanzar en paz!
(El Salvador, 1935-1975)
Te han llevado a enterrar casi a empujones
bajo un cielo de planta manchado de palomas.
Todo el mundo contento: en adelante
ibas a ser problema de la tierra,
larga semilla, sótano de la grama.
Con el apuro no alcanzó para la cruz, pues este duro
leño con cuernos no remeda cruz.
Y el girasol salvaje
–regado con pipí del hijo del guarda–
apenas haga frío morirá.
Pobrecitos los muertos –se diría al mirarte–
¡Qué cosa más jodida es descanzar en paz!
(El Salvador, 1935-1975)
Heberto Padilla
POÉTICA
Di la verdad.
Di, al menos, tu verdad.
Y después
deja que cualquier cosa ocurra:
que te rompan la página querida,
que te tumben a pedradas la puerta,
que la gente
se amontone delante de tu cuerpo
como si fueras
un prodigio o un muerto.
(in Fuera de Juego, Havana, 1968)
Di la verdad.
Di, al menos, tu verdad.
Y después
deja que cualquier cosa ocurra:
que te rompan la página querida,
que te tumben a pedradas la puerta,
que la gente
se amontone delante de tu cuerpo
como si fueras
un prodigio o un muerto.
(in Fuera de Juego, Havana, 1968)
quarta-feira, 6 de julho de 2011
balada
(a Horacio Ferrer)
yo tangueo
la vida
titubeante
mezcla rara de locos
por corrientes
medio bailando
medio volando
en busca del último viaje a Venus
yo tangueo
la vida
titubeante
mezcla rara de locos
por corrientes
medio bailando
medio volando
en busca del último viaje a Venus
terça-feira, 5 de julho de 2011
César Vallejo
LXXVII
Graniza tánto, como para que yo recuerde
y acreciente las perlas
que he recogido del hocico mismo
de cada tempestad.
No se vaya a secar esta lluvia.
A menos que me fuese dado
caer ahora para ella, o que me enterrasen
mojado en el agua
que surtiera de todos los fuegos.
¿Hasta dónde me alcanzará esta lluvia?
Temo me quede con algún flanco seco;
temo que ella se vaya, sin haberme probado
en las sequías de increíbles cuerdas vocales,
por las que,
para dar armonía,
hay siempre que subir ¡nunca bajar!
¿No subimos acaso para abajo?
Canta, lluvia, en la costa aún sin mar!
(in Trilce, Lima/PERU, 1922)
LXXVII
Graniza muito, para que eu me lembre
de acrescer as pérolas
que colhi da face
de cada tempestade.
Que esta chuva não seque.
A menos que me fosse permitido
tombar agora por ela, ou que me sepultassem
molhado na água
que brotasse de todos os lares incandescidos.
Até onde esta chuva me alcançará?
Temo não molhar o dorso;
temo que ela parta, sem ter-me provado
nas estiagens de incríveis cordas vocais,
pelas quais,
para dar harmonia,
temos sempre que subir – nunca baixar!
Por acaso, não subimos para baixo?
Cante, chuva, na costa ainda sem mar!
(in Trilce, Lima/PERU, 1922)
(trad. joão monteiro)
Graniza tánto, como para que yo recuerde
y acreciente las perlas
que he recogido del hocico mismo
de cada tempestad.
No se vaya a secar esta lluvia.
A menos que me fuese dado
caer ahora para ella, o que me enterrasen
mojado en el agua
que surtiera de todos los fuegos.
¿Hasta dónde me alcanzará esta lluvia?
Temo me quede con algún flanco seco;
temo que ella se vaya, sin haberme probado
en las sequías de increíbles cuerdas vocales,
por las que,
para dar armonía,
hay siempre que subir ¡nunca bajar!
¿No subimos acaso para abajo?
Canta, lluvia, en la costa aún sin mar!
(in Trilce, Lima/PERU, 1922)
LXXVII
Graniza muito, para que eu me lembre
de acrescer as pérolas
que colhi da face
de cada tempestade.
Que esta chuva não seque.
A menos que me fosse permitido
tombar agora por ela, ou que me sepultassem
molhado na água
que brotasse de todos os lares incandescidos.
Até onde esta chuva me alcançará?
Temo não molhar o dorso;
temo que ela parta, sem ter-me provado
nas estiagens de incríveis cordas vocais,
pelas quais,
para dar harmonia,
temos sempre que subir – nunca baixar!
Por acaso, não subimos para baixo?
Cante, chuva, na costa ainda sem mar!
(in Trilce, Lima/PERU, 1922)
(trad. joão monteiro)
Nicanor Parra
EPITAFIO
De estatura mediana,
Con una voz ni delgada ni gruesa,
Hijo mayor de profesor primario
Y de una modista de trastienda;
Flaco de nacimiento
Aunque devoto de la buena mesa;
De mejillas escuálidas
Y de más bien abundantes orejas;
Con un rostro cuadrado
En que los ojos se abren apenas
Y una nariz de boxeador mulato
Baja a la boca de ídolo azteca
-Todo esto bañado
Por una luz entre irónica y pérfida-
Ni muy listo ni tonto de remate
Fui lo que fui: una mezcla
De vinagre y aceite de comer
¡Un embutido de ángel y bestia!
(in Poemas y antipoemas, Santiago/CH, 1954)
De estatura mediana,
Con una voz ni delgada ni gruesa,
Hijo mayor de profesor primario
Y de una modista de trastienda;
Flaco de nacimiento
Aunque devoto de la buena mesa;
De mejillas escuálidas
Y de más bien abundantes orejas;
Con un rostro cuadrado
En que los ojos se abren apenas
Y una nariz de boxeador mulato
Baja a la boca de ídolo azteca
-Todo esto bañado
Por una luz entre irónica y pérfida-
Ni muy listo ni tonto de remate
Fui lo que fui: una mezcla
De vinagre y aceite de comer
¡Un embutido de ángel y bestia!
(in Poemas y antipoemas, Santiago/CH, 1954)
Apolinar Núñez
Porque no saben de historia, me imagino
Cada año voy a España
a resolver vainas del pasado
y es fácil:
la venganza indígena
la hago desde una cama
y casi siempre las españolas se ríen
porque no saben historia me imagino.
Poema del pesimismo
Mañana habrá otra vez
mañana
tarde
y noche.
Señoras y señores
Yo soy del partido
y sólo admitiré en mi tumba
este epitafio:
La muerte es el abandono de la
solidaridad.
(in Poemas decididamente fuñones, República Dominicana, 1972)
Cada año voy a España
a resolver vainas del pasado
y es fácil:
la venganza indígena
la hago desde una cama
y casi siempre las españolas se ríen
porque no saben historia me imagino.
Poema del pesimismo
Mañana habrá otra vez
mañana
tarde
y noche.
Señoras y señores
Yo soy del partido
y sólo admitiré en mi tumba
este epitafio:
La muerte es el abandono de la
solidaridad.
(in Poemas decididamente fuñones, República Dominicana, 1972)
domingo, 3 de julho de 2011
Jorge Fandermole
JUNIO
Lo que va a pasar hoy pasó hace tanto
me desperté diciendo esta mañana,
no vi las predicciones del espanto
que le arrancaba al sueño mi palabra.
En este invierno que pega tan duro
está lejos tu boca que me ama
y se me desdibuja en el futuro,
y junio me arde rojo aquí en la espalda.
En este invierno atroz no hay escenario
más duro que esta calle de llovizna;
cada uno sigue en ella su calvario
pero la cruz de todos es la misma.
Salí con las razones de la fiebre
y una tristeza absurda como el hambre,
y cuando en el corazón la sangre hierve
es de esperar que se derrame sangre.
Me llamo con el nombre que me dieron,
el que tomó la crónica del día;
soy uno de los dos que ya partieron,
los dos en un montón que resistían.
Hermano en la delgada línea roja
que te me fuiste dos minutos antes
con la indiscreta muerte que en tu boca
entraba en cada casa con tu imagen.
Yo estaba junto a vos sobre tu grito
besándote feroz la indigna muerte
mientras te ibas volando al infinito
fulgor de la mañana indiferente...
Yo sé que el corazón que está latiendo
en cada uno es una senda pedregosa,
cuando en el suelo sucio me estoy yendo,
ajeno y solo de todas las cosas.
Si yo salí por mí y salí por todos
cómo es que ahora no hay nadie aquí a mi lado
que me retenga la luz en los ojos,
que contenga este río colorado.
El corazón del hombre es una senda
más áspera que la piedra desnuda;
mi extenso corazón es una ofrenda
que pierde sangre en esta calle cruda.
Yo tengo un nombre rojo de piquete
y un apellido muerto de veinte años,
y encima las miradas insolentes
de los perros oscuros del cadalso.
Yo no llevaba un arma entre las manos
sino en el franco pecho dolorido,
y el pecho es lo que me vieron armado
y en el corazón todos los peligros.
La mano que me mata no me llega
ni al límite más bajo de mi hombría
aunque me arrastren rojo en las veredas
con una flor abierta a sangre fría.
Hoy necesito un canto piquetero
que me devuelva la voz silenciada,
que me abra por la noche algún sendero
pa' que vuelva mi vida enamorada...
(letra e música: Jorge Fandermole)
Homenagem a Darío Kosteki y Maximiliano Santillán, mortos no dia 26.6.02, durante um protesto popular em Avellaneda (Buenos Aires).
Lo que va a pasar hoy pasó hace tanto
me desperté diciendo esta mañana,
no vi las predicciones del espanto
que le arrancaba al sueño mi palabra.
En este invierno que pega tan duro
está lejos tu boca que me ama
y se me desdibuja en el futuro,
y junio me arde rojo aquí en la espalda.
En este invierno atroz no hay escenario
más duro que esta calle de llovizna;
cada uno sigue en ella su calvario
pero la cruz de todos es la misma.
Salí con las razones de la fiebre
y una tristeza absurda como el hambre,
y cuando en el corazón la sangre hierve
es de esperar que se derrame sangre.
Me llamo con el nombre que me dieron,
el que tomó la crónica del día;
soy uno de los dos que ya partieron,
los dos en un montón que resistían.
Hermano en la delgada línea roja
que te me fuiste dos minutos antes
con la indiscreta muerte que en tu boca
entraba en cada casa con tu imagen.
Yo estaba junto a vos sobre tu grito
besándote feroz la indigna muerte
mientras te ibas volando al infinito
fulgor de la mañana indiferente...
Yo sé que el corazón que está latiendo
en cada uno es una senda pedregosa,
cuando en el suelo sucio me estoy yendo,
ajeno y solo de todas las cosas.
Si yo salí por mí y salí por todos
cómo es que ahora no hay nadie aquí a mi lado
que me retenga la luz en los ojos,
que contenga este río colorado.
El corazón del hombre es una senda
más áspera que la piedra desnuda;
mi extenso corazón es una ofrenda
que pierde sangre en esta calle cruda.
Yo tengo un nombre rojo de piquete
y un apellido muerto de veinte años,
y encima las miradas insolentes
de los perros oscuros del cadalso.
Yo no llevaba un arma entre las manos
sino en el franco pecho dolorido,
y el pecho es lo que me vieron armado
y en el corazón todos los peligros.
La mano que me mata no me llega
ni al límite más bajo de mi hombría
aunque me arrastren rojo en las veredas
con una flor abierta a sangre fría.
Hoy necesito un canto piquetero
que me devuelva la voz silenciada,
que me abra por la noche algún sendero
pa' que vuelva mi vida enamorada...
(letra e música: Jorge Fandermole)
Homenagem a Darío Kosteki y Maximiliano Santillán, mortos no dia 26.6.02, durante um protesto popular em Avellaneda (Buenos Aires).
Francisco Alvim
SATURNO
O único modo
de acabar com os ratos
é pegar um macho
capá-lo
Ele vai e come os
filhotes
(in O Corpo Fora, 1988)
(in Poemas, Cosac & Naify, 2004)
O único modo
de acabar com os ratos
é pegar um macho
capá-lo
Ele vai e come os
filhotes
(in O Corpo Fora, 1988)
(in Poemas, Cosac & Naify, 2004)
sábado, 2 de julho de 2011
José Infante
MUERTE ABAJO
(cien canciones de muerte, de amor y de ausencia)
XVII
El reloj de la vida
va muy deprisa,
cuando llega la ausencia
se ralentiza.
XXVI
La soledad es el único
amante: al que no le puedes
ser infiel.
Si lo haces, en venganza,
se volverá tu enemiga
más cruel.
L
Dicen que la ignorancia
es mejor que la ciencia.
Por eso yo no tengo
ninguna creencia.
C
En el jardin de la vida,
me pusieron sin decírmelo,
en un huerto solitario.
Por eso todos los frutos
me salieron tan amargos.
(in Daños colaterales, ed. Hiperión, Madrid, 2009)
(cien canciones de muerte, de amor y de ausencia)
XVII
El reloj de la vida
va muy deprisa,
cuando llega la ausencia
se ralentiza.
XXVI
La soledad es el único
amante: al que no le puedes
ser infiel.
Si lo haces, en venganza,
se volverá tu enemiga
más cruel.
L
Dicen que la ignorancia
es mejor que la ciencia.
Por eso yo no tengo
ninguna creencia.
C
En el jardin de la vida,
me pusieron sin decírmelo,
en un huerto solitario.
Por eso todos los frutos
me salieron tan amargos.
(in Daños colaterales, ed. Hiperión, Madrid, 2009)
Boris Cyrulnik / Edgar Morin
Você disse que a sociedade alimenta-se da morte de seus indivíduos. Igualmente, não podemos dizer que uma sociedade nutre-se da morte de suas teorias? Venerar uma idéia é o modo mais seguro de fazê-la morrer. A pretexto de a repetir, nós a transformamos em estereótipo, de tal maneira caricaturada que poderíamos recitá-la numa final desportiva entre França-Inglaterra. Ao contrário, vivenciar uma idéia pressupõe o debate, a tentativa de combate de seus elementos componentes.
(in Dialogue sur la nature humaine / Diálogos sobre a natureza humana, éditions de l’aube, 2000, p. 45-46)
imagem: www.intransfer.com/fotos/veneza2/
Willy Corrêa de Oliveira
Apocalipse no fundo do quintal
Já havia principiado a noite quando atravessei a cozinha e transpassei a porta que se abria para o patamar de onde descia a escada para o quintal bem mais abaixo de que o corpo da casa, e olho na direção do fundo do quintal, para além do muro e acolá, nem longe nem perto, vejo uma estrela deitada. Tenho que era noite de lua cheia. É certo que a estrela iluminava adormecida, o chão, a terra, o terreno vazio logo após o muro do meu quintal como sua cama e não o céu como eternamente havia acontecido desde o início dos tempos. Não recobro o que andava a fazer por ali no patamar da porta da cozinha, se me dirigia ao quintal por qualquer coisa, ou o que, quando vi a estrela no chão, adiante no terreno livre depois do muro do quintal onde se mora em criança. Não era um sucesso usual, um fato corriqueiro: exaltado, em glória, pânico, júbilo, desobrigo-me do que teria ido fazer e retornei para o interior da casa em estado de choque, feliz abalado, e sem mais demoras vim atender ao chamado (já impaciente) para que fosse me deitar. Que lavasse as mãos, pés, escovasse os dentes. “E não se esqueça de cuidar pra não fazer xixi fora da bacia.” Ladainhas para o ofício noturno. Os palavrórios não me azucrinaram. Fui ao cumprimento das ordens indiferente sem relatar nada do que vira pra ninguém. Na transcendência da beatitude, do enleio sutil e frágil em que me transbordava não tinha prumo para me comunicar com nenhum humano naquela hora. Só me era dado o silenciar, o ativar-me veemente no gozo. Uma estrela do céu, ali vizinha, deixar-se pousada no chão, adormecida, assim a uma corridinha de casa, manifesta. Sem mais era ir para cama (obediente) e calar e dormir tácito emudecido sem bulício, nem o mais mínimo alarido para que ninguém desfizesse o inescrutável, inesperado, o inerme sortilégio da estrela em abandono, tão cerca. Amanheci às pressas. E misteriosamente saí à procura de minha estrela no chão, dormida ao relento, em depois do contorno da rua de casa. Vis-à-vis do fundo, pertinho. O terreno, baldio, se espichava, creio que até ao mar mais distante. Que horror insípido: ela não mais se achava à vista. Em toda a volta, olhei, não se encontrava. Não se encontrava. Não a divisaria mais, sabia-o, sentia, e desisti: do prosseguir em sua busca porque o local era perigoso em excesso, com cacos de louça, vidros asquerosos, assassinos, latas cortantes (enferrujadas até ao tétano), guaiamus ferozes, e teria que ter me aventurado em longa caminhada até a praia e o mar bravio longe.
Mas não maldigo. Não escrevo: “Ah! um urubu pousou na minha sorte.” Nunca. Eu que jamais havia (sequer) entressonhado que uma estrela do firmamento viesse, quietinha, se pôr ali pouco além do muro do nosso quintal, sem ruídos, para mim. Por uma noite, em criança, tive uma estrela que brilhou pela minha vida inteira.
(in Passagens, Ed. Luzes do Asfalto, São Paulo, 2008)
Já havia principiado a noite quando atravessei a cozinha e transpassei a porta que se abria para o patamar de onde descia a escada para o quintal bem mais abaixo de que o corpo da casa, e olho na direção do fundo do quintal, para além do muro e acolá, nem longe nem perto, vejo uma estrela deitada. Tenho que era noite de lua cheia. É certo que a estrela iluminava adormecida, o chão, a terra, o terreno vazio logo após o muro do meu quintal como sua cama e não o céu como eternamente havia acontecido desde o início dos tempos. Não recobro o que andava a fazer por ali no patamar da porta da cozinha, se me dirigia ao quintal por qualquer coisa, ou o que, quando vi a estrela no chão, adiante no terreno livre depois do muro do quintal onde se mora em criança. Não era um sucesso usual, um fato corriqueiro: exaltado, em glória, pânico, júbilo, desobrigo-me do que teria ido fazer e retornei para o interior da casa em estado de choque, feliz abalado, e sem mais demoras vim atender ao chamado (já impaciente) para que fosse me deitar. Que lavasse as mãos, pés, escovasse os dentes. “E não se esqueça de cuidar pra não fazer xixi fora da bacia.” Ladainhas para o ofício noturno. Os palavrórios não me azucrinaram. Fui ao cumprimento das ordens indiferente sem relatar nada do que vira pra ninguém. Na transcendência da beatitude, do enleio sutil e frágil em que me transbordava não tinha prumo para me comunicar com nenhum humano naquela hora. Só me era dado o silenciar, o ativar-me veemente no gozo. Uma estrela do céu, ali vizinha, deixar-se pousada no chão, adormecida, assim a uma corridinha de casa, manifesta. Sem mais era ir para cama (obediente) e calar e dormir tácito emudecido sem bulício, nem o mais mínimo alarido para que ninguém desfizesse o inescrutável, inesperado, o inerme sortilégio da estrela em abandono, tão cerca. Amanheci às pressas. E misteriosamente saí à procura de minha estrela no chão, dormida ao relento, em depois do contorno da rua de casa. Vis-à-vis do fundo, pertinho. O terreno, baldio, se espichava, creio que até ao mar mais distante. Que horror insípido: ela não mais se achava à vista. Em toda a volta, olhei, não se encontrava. Não se encontrava. Não a divisaria mais, sabia-o, sentia, e desisti: do prosseguir em sua busca porque o local era perigoso em excesso, com cacos de louça, vidros asquerosos, assassinos, latas cortantes (enferrujadas até ao tétano), guaiamus ferozes, e teria que ter me aventurado em longa caminhada até a praia e o mar bravio longe.
Mas não maldigo. Não escrevo: “Ah! um urubu pousou na minha sorte.” Nunca. Eu que jamais havia (sequer) entressonhado que uma estrela do firmamento viesse, quietinha, se pôr ali pouco além do muro do nosso quintal, sem ruídos, para mim. Por uma noite, em criança, tive uma estrela que brilhou pela minha vida inteira.
(in Passagens, Ed. Luzes do Asfalto, São Paulo, 2008)
sexta-feira, 1 de julho de 2011
Giuseppe Ungaretti
POESIA
I giorni e le notti
suonano
in questi miei nervi
di arpa
vivo di questa gioia
malata di universo
e soffro
di non saperla
accendere
nelle mie parole.
POESIA
Os dias e as noites
dedilham
estes meus nervos
de harpa
nutro-me desta alegria
enferma de universo
e sofro
por não saber
iluminá-la
em minhas palavras.
(in Poesie disperse / Poemas dispersos, 1945)
(trad. joão monteiro)
I giorni e le notti
suonano
in questi miei nervi
di arpa
vivo di questa gioia
malata di universo
e soffro
di non saperla
accendere
nelle mie parole.
POESIA
Os dias e as noites
dedilham
estes meus nervos
de harpa
nutro-me desta alegria
enferma de universo
e sofro
por não saber
iluminá-la
em minhas palavras.
(in Poesie disperse / Poemas dispersos, 1945)
(trad. joão monteiro)
Salvatore Quasimodo
ANTICO INVERNO
Desiderio delle tue mani chiare
nella penombra della fiamma:
sapevano di rovere e di rose;
di morte. Antico inverno.
Cercavano il miglio gli uccelli
ed erano súbito di neve;
cosí le parole.
Un po' di sole, una raggera d'angelo,
e poi la nebbia; e gli alberi,
e noi fatti d'aria al mattino.
ANTIGO INVERNO
Desejo de tuas mãos claras
na penumbra da chama;
explicavam carvalhos e rosas;
morte. Antigo inverno.
Buscavam grão as aves
e de repente se punham neve;
assim as palavras.
Um pouco de sol, auréola de anjo,
e enfim a névoa; e as árvores,
e nós feitos de ar na manhã.
(in Acque e terra / Águas e terras, 1930)
(trad. joão monteiro)
imagem: “Retrato de Salvatore Quasimodo”, de Renato Birolli (1905-1959)
Desiderio delle tue mani chiare
nella penombra della fiamma:
sapevano di rovere e di rose;
di morte. Antico inverno.
Cercavano il miglio gli uccelli
ed erano súbito di neve;
cosí le parole.
Un po' di sole, una raggera d'angelo,
e poi la nebbia; e gli alberi,
e noi fatti d'aria al mattino.
ANTIGO INVERNO
Desejo de tuas mãos claras
na penumbra da chama;
explicavam carvalhos e rosas;
morte. Antigo inverno.
Buscavam grão as aves
e de repente se punham neve;
assim as palavras.
Um pouco de sol, auréola de anjo,
e enfim a névoa; e as árvores,
e nós feitos de ar na manhã.
(in Acque e terra / Águas e terras, 1930)
(trad. joão monteiro)
imagem: “Retrato de Salvatore Quasimodo”, de Renato Birolli (1905-1959)
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Marina Tsvetáieva (2)
Como lágrima morna -
Uma gota nos olhos entorna.
De uma altura sem fim,
Alguém chora por mim.
(in Indícios flutuantes, trad. Aurora F. Bernardini, Martins Fontes, 2006)
Uma gota nos olhos entorna.
De uma altura sem fim,
Alguém chora por mim.
(in Indícios flutuantes, trad. Aurora F. Bernardini, Martins Fontes, 2006)
Marina Tsvetáieva
Beijar na testa - apagar o cuidado.
Beijo na testa.
Beijar nos olhos - tirar a insônia.
Beijo nos olhos.
Beijar nos lábios - matar a sede.
Beijo nos lábios.
Beijar na testa - apagar a lembrança.
Beijo na testa.
(in Indícios flutuantes, trad. Aurora F. Bernardini, Martins Fontes, 2006)
Beijo na testa.
Beijar nos olhos - tirar a insônia.
Beijo nos olhos.
Beijar nos lábios - matar a sede.
Beijo nos lábios.
Beijar na testa - apagar a lembrança.
Beijo na testa.
(in Indícios flutuantes, trad. Aurora F. Bernardini, Martins Fontes, 2006)
"Um cachorro vira-lata... mais está à procura de alimento e carinho"
"ROUBO – HABEAS CORPUS – PRISÃO EM FLAGRANTE – CONCURSO DE AGENTES – UTILIZAÇÃO DE UM CÃO COMO FORMA DE GRAVE AMEAÇA – INEXISTÊNCIA DA PROVA DO ATO OU DA GRAVE AMEAÇA – ACUSADOS QUE VINHAM DE UMA FESTA POPULAR EM COMPLETO ESTADO DE EMBRIAGUEZ -–INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS QUE INDICAM A NECESSIDADE DA PRISÃO CAUTELAR – Ordem concedida. Maioria.
Informam os autos que o acusado vinha de uma festa popular denominada Micarecandanga em completo estado de embriaguez, e que teria se apossado de pequenos valores de uma pessoa que por ele teria sido ameaçada.
No flagrante a autoridade policial informa que o acusado teria se valido de um cachorro como forma de ameaça à vítima, mas a peça não anota a sua raça, seu comportamento agressivo, ou se o mesmo pertencia realmente ao Pacte.
A versão constante do flagrante não se amolda com o que realmente aconteceu por ocasião do evento, pois se o Pacte. vinha às altas horas da madrugada de uma festa popular completamente embriagado na companhia de um amigo, também em elevado estado etílico, é algo absolutamente inverossímil que o mesmo tenha levado seu cão para a festa a fim de ameaçar a quem quer que seja, sendo francamente inconcebível a presença de um animado cachorro em plena multidão de foliões acompanhando seu dono no picante e movimentado ritmo da música baiana.
Os autos demonstram às escâncaras que o cachorro que acompanhou o Pacte. até a delegacia era um vira-lata comum e inofensivo, daqueles que comumente acompanham as pessoas, em especial os bêbados, de madrugada à espera de um carinho e quem sabe de algum alimento, e que jamais seria capaz de ameaçar a quem quer que seja, pois se o cão fosse realmente violento deveria ser descrito e apreendido pela autoridade, para posteriormente ser remetido ao Serviço de Zoonose do GDF.
Não há nos autos nada que demonstre a existência quer do ato descrito no flagrante ou mesmo da violência ou da grave ameaça que teria sido praticadas contra a vítima, e o cachorro que acompanhou o Pacte. até a Delegacia, onde segundo a autoridade ficava andando de um lado para o outro no pátio com o rabo abanando, em nenhuma hipótese pode configurar-se como meio idôneo para ameaçar a quem quer que seja, pois à toda sabença um cachorro vira-lata que vive a percorrer as ruas de madrugada mais está à procura de alimento e carinho do que meter-se em confusão.
Inocorrendo, no caso em comento, qualquer das hipóteses do art. 312, do CPP, deve o Pacte. responder em liberdade a ação penal que lhe está sendo movida.
Ordem concedida. Maioria."
(ementa de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no julgamento do "habeas corpus" n. 2001.00.2.005779-0, em 4 de outubro de 2001)
LINK para o inteiro teor:
http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM=1&PGATU=1&l=20&ID=62274,12922,2111&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER
foto: http://sobreorisco.blogspot.com/2009_08_01_archive.html
Informam os autos que o acusado vinha de uma festa popular denominada Micarecandanga em completo estado de embriaguez, e que teria se apossado de pequenos valores de uma pessoa que por ele teria sido ameaçada.
No flagrante a autoridade policial informa que o acusado teria se valido de um cachorro como forma de ameaça à vítima, mas a peça não anota a sua raça, seu comportamento agressivo, ou se o mesmo pertencia realmente ao Pacte.
A versão constante do flagrante não se amolda com o que realmente aconteceu por ocasião do evento, pois se o Pacte. vinha às altas horas da madrugada de uma festa popular completamente embriagado na companhia de um amigo, também em elevado estado etílico, é algo absolutamente inverossímil que o mesmo tenha levado seu cão para a festa a fim de ameaçar a quem quer que seja, sendo francamente inconcebível a presença de um animado cachorro em plena multidão de foliões acompanhando seu dono no picante e movimentado ritmo da música baiana.
Os autos demonstram às escâncaras que o cachorro que acompanhou o Pacte. até a delegacia era um vira-lata comum e inofensivo, daqueles que comumente acompanham as pessoas, em especial os bêbados, de madrugada à espera de um carinho e quem sabe de algum alimento, e que jamais seria capaz de ameaçar a quem quer que seja, pois se o cão fosse realmente violento deveria ser descrito e apreendido pela autoridade, para posteriormente ser remetido ao Serviço de Zoonose do GDF.
Não há nos autos nada que demonstre a existência quer do ato descrito no flagrante ou mesmo da violência ou da grave ameaça que teria sido praticadas contra a vítima, e o cachorro que acompanhou o Pacte. até a Delegacia, onde segundo a autoridade ficava andando de um lado para o outro no pátio com o rabo abanando, em nenhuma hipótese pode configurar-se como meio idôneo para ameaçar a quem quer que seja, pois à toda sabença um cachorro vira-lata que vive a percorrer as ruas de madrugada mais está à procura de alimento e carinho do que meter-se em confusão.
Inocorrendo, no caso em comento, qualquer das hipóteses do art. 312, do CPP, deve o Pacte. responder em liberdade a ação penal que lhe está sendo movida.
Ordem concedida. Maioria."
(ementa de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no julgamento do "habeas corpus" n. 2001.00.2.005779-0, em 4 de outubro de 2001)
LINK para o inteiro teor:
http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM=1&PGATU=1&l=20&ID=62274,12922,2111&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER
foto: http://sobreorisco.blogspot.com/2009_08_01_archive.html
Assinar:
Postagens (Atom)