terça-feira, 29 de novembro de 2011

lau siqueira

a natureza do espetáculo

amarelas
eram as flores do ipê

esparramadas nos galhos
e no palmo de asfalto que
antecede o chão

pétalas e mais pétalas
falando ao meu silêncio
a p r e s s a d o

exalando o indomável
escândalo da beleza

(in poesia sem pele, Porto Alegre, Casa Verde, 2011)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Giuseppe Ungaretti (2)

Allegria di naufragi

E subito riprende
il viaggio
come
dopo il naufragio
un superstite
lupo di mare

(1917)

...

Alegria de náufragos

E retoma de repente
a viagem
como
após o naufrágio
um sobrevivente
lobo do mar

(1917)

(in Vita d'un uomo, Milano: Mondadori, 2011)

Salvatore Quasimodo (2)

NESSUNO

Io sono forse un fanciullo
che ha paura dei morti,
ma che la morte chiama
perché lo sciolga da tutte le creature:
i bambini, l'albero, gli insetti:
da ogni coisa che ha cuore di tristezza.

Perché non ha più doni
e le strade son buie,
e più non c'è nessuno
che sappia farlo piangere
vicino a te, Signore.

(Acque e terre, 1920-1929)

...

NINGUÉM

Sou talvez um menino
com medo dos mortos,
mas que a morte chama
para desatá-lo de todas as criaturas:
as crianças, a árvore, os insetos:
de coisas com coração de tristeza.

Porque não há mais dádivas
e as estradas estão sombrias,
e ninguém mais resta
para fazê-lo chorar
próximo a ti, Senhor.

(Águas e terras, 1920-1929, trad. joão monteiro)

(in Tutte le poesie, Milano: Mondadori, 1995)

domingo, 20 de novembro de 2011

De Vento em Popa

O grupo instrumental De Vento em Popa fará apresentação no Clube do Choro de Brasília, no próximo sábado (26.11), às 21h.

Flautas:
Heitor Freitas, Leandro Barcelos, Madelon Guimarães, Marília Carvalho, Nicholli Menezes e William Percy

Violão:
João Ferreira

Baixo:
Marcelo Nardelli

Bateria:
Zezinho Gotelipe

Programa: Tom Jobim, Waldir Azevedo, Luiz Gonzaga, Garoto, Ary Barroso, Pattápio Silva, Pixinguinha, Dorival Caymmi, Hermeto Pascoal, Heitor Villa-Lobos, e outros grandes nomes do repertório brasileiro.

Ingressos: 20 reais (inteira) e 10 reais (meia).

sábado, 19 de novembro de 2011

Wilson Bueno

O Ganso ou a Vida

O Ganso recebeu pela quarta ou quinta vez a visita do Pato.
Lá vinha ele, de novo, com aquele papo de Pato pachola.
- Seo Ganso, por que o senhor não entra de vez para a Ordem dos Patos, já que ganso não passa de um pato disfarçado?... E nós estamos precisando de sócios. Dezenas de marrecos já aderiram...
- Não, Seo Pato, ganso sou e ganso morrerei. Honro o ganso meu pai e a gansa minha mãe, que não eram, nenhum deles, patos nem marrecos, mas gansos, seu Pato.
- Besteira - pato, ganso, marreco são tudo a mesma coisa. Que diferença temos um do outro? Que diferença? Me diga.
- Uma baita diferença, seo Pato. Aqui na aldeia, ao menos, ninguém come ganso. Agora pato e marreco, todo mundo sabe, são um baita prato.
Grasnando muito o Ganso voltou ao seu bando enquanto o pato, desta vez, corria, com cinco marrecos atrás dele, da senhora sua dona, armada de enorme faca de degolar pato. Ou marreco, se acharem melhor e mais tenro...


(in Cachorros do Céu, São Paulo, Editora Planeta, 2005)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Lucia Blaga (5)

LINIŞTE

Atâta linişte-i în jur de-mi pare că aud
cum se izbesc de geamuri razele de lună.

În piept
mi s-a trezit un glas străin
şi-un cântec cântă-n mine-un dor, ce nu-i al meu.

Se spune că strămoşi, cari au murit fără de vreme,
cu sânge tânăr încă-n vine,
cu patimi mari în sânge,
cu soare viu în patimi,
vin,
vin să-şi trăiască mai departe
în noi
viaţa netrăită.

Atâta linişte-i în jur de-mi pare că aud
cum se izbesc în geamuri razele de lună.

O, cine ştie - suflete-n ce piept iţi vei cânta
şi tu odată peste veacuri
pe coarde dulci de linişte,
pe harfa de-ntuneric - dorul sugrumat
şi frânta bucurie de vieaţă? Cine ştie? Cine ştie?

(1919)

...

SILÊNCIO

Há tanto silêncio em torno – parece que ouço
como se rompesse em cacos raios de lua.

No peito
desperta-me uma voz estranha
como se cantasse um grito dolente, que não é meu.

Diz que ancestrais, mortos prematuramente,
com jovem sangue temoroso,
com paixões ensanguentadas,
sob sol ainda radiante,
vêm,
vêm para que vivam longe
conosco
esta vida frágil.

Há tanto silêncio em torno – parece que ouço
como se rompesse em cacos raios de lua.

Ah, quem sabe – quanto ânimo neste peito cantará
você que ruma a esmo
entre cordas doces silenciosas
de harpa sombria – a dor sufocada
é capaz de romper a vida? Quem sabe? Quem sabe?

(1919)


(trad. joão monteiro)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Lucian Blaga (4)

VISĂTORUL

Spânzurat de aer printre ramuri
se frământa în mătasa-i
un păianjen.
Raza lunii
l-a trezit din somn.

Ce se zbate? A visat că
raza lunii-i fir de-al lui şi
cearc-acuma să se urce
până-n ceruri, sus, pe-o rază.
Se tot zbate,îndrăzneţul
şi s-azvârle.
Şi mi-e teamă
c-o să cadă - visătorul.

(1919)

...

SONHADORA

Estrangulada pelo ar entre os ramos
retorce-se em seda
uma aranha.
O raio de lua
interrompeu seu sono.

Por que se agita? Sonhou que
fiava raios de lua e
agora busca escalar
até os céus, alto, sobre um lampejo.
Debate-se toda, audaz,
e se lança.
E temo
que tombe - sonhadora.

(1919)


(trad. joão monteiro)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Wisława Szymborska (3)

Alguns gostam de poesia

Alguns −
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam −
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia −
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.

(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Wisława Szymborska (2)

Descoberta

Creio na grande descoberta.
Creio no homem que fará a descoberta.
Creio no temor do homem que a fará.

Creio na palidez de sua face,
em sua náusea, no suor gelado sobre seu lábio.

Creio em seus encontros incendiados,
reduzidos a pó,
queimados até a última cinza.

Creio nas cifras dispersadas,
espalhadas sem lamento.

Creio na pressa do homem,
na precisão de seus gestos,
em seu livre arbítrio.

Creio nas lousas fracassadas,
nos líquidos derramados,
nos raios esmaecidos.

Afirmo que acontecerá,
que não tardará
e que ocorrerá na ausência de testemunhas.

Ninguém saberá, disso estou segura,
nem a esposa, nem a parede,
e nem mesmo o pássaro – poderia cantar.

Creio na mão que não se sustenta,
creio na carreira despedaçada,
creio no trabalho de muitos anos desperdiçado.
Creio no segredo levado à tumba.

Estas palavras fazem-me velejar sobre as regras.
Não buscam apoio em exemplo algum.
Minha fé é forte, cega e infundada.


(in Todo caso, Varsóvia, 1972, trad. do italiano: joão monteiro)
(in Ogni caso, trad. italiano Pietro Marchesani, Milão, Libri Scheiwiller, 2009)

sábado, 5 de novembro de 2011

Emily Dickinson (3)

A Dimple in the Tomb
Makes that ferocious Room
A Home -

...

Um Vão na Pedra Tumular
Faz do feroz Lugar
Um Lar -


(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)

Emily Dickinson (2)

I'm Nobody! Who are you?
Are you - Nobody - Too?
Then there's a pair of us?
Don't tell! they'd advertise - you know!

How dreary - to be - Somebody!
How public - like a Frog -
To tell one's name - the livelong June -
To an admiring Bog!

...

Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém - Também!
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!

Que triste - ser - Alguém!
Que pública - a Fama -
Dizer seu nome - como a Rã -
Para as palmas da Lama!


(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)