sábado, 10 de agosto de 2013

Marin Sorescu (5)


Mai mult ca perfectul

Pe spatele aripii este notat
Mai mult ca perfectul
Zborului.

Pe spatele peştelui e desenat
Înotul viitorului.

Acolo unde credeam că se termină,
Lucrurile revin asupra lor;
Faţa văzută e doar o ciornă.
De ce să fim pesimişti
În legătură cu stingerea ochilor?
Pe spatele lor
Natura şi-a notat
O idee şi mai îndrăzneaţă
Despre orbire.

(Moartea ceasului, 1966)


**

O mais perfeito

É no dorso das asas
Que se contorna o mais perfeito
dos voos.

É em sua cauda que os peixes impulsionam
o nado novo.

Quando os projetos enfim acabam 
Principia a execução;
A face das coisas é esboço, apenas.
Por que a relutância
em cerrar os olhos?
É no dorso de suas órbitas
Que a natureza programa
A mais ousada das constatações
Sobre a cegueira.

(A morte das horas, 1966) 
(trad. joão monteiro)

Marin Sorescu (4)


Jurnal intim

 
Puţin îmi pasă mie
De noutăţile voastre.
Eu vin cu noutăţile mele.

(Poezii, 1996)
 
**

Diário íntimo

 
Não me contas mais
Quase nada a teu respeito.
Ainda assim, trago-te minhas últimas notícias.

(Poesias, 1996)
 

(trad. joão monteiro)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Alberto Caeiro (5)


Há metafísica bastante em não pensar nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica tem aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de ter fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber o que não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido ínfimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É, acrescentando, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta adentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu lhe obedeço,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Alberto Caeiro (4)


Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Por que sequer atribuo eu
Beleza às cousas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe
Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das cousas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!

(11 de março de 1914)

Alberto Caeiro (3)


Li quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.

Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas,
não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era Natureza.

Alberto Caeiro (2)


Assim como falham as palavras

Assim como falham as palavras quando querem
exprimir qualquer pensamento,

Assim falham os pensamentos quando querem
exprimir qualquer realidade,

Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a
pensada.

Assim a mesma dita realidade existe, não o ser
pensada.

Assim tudo o que existe, simplesmente existe.

O resto é uma espécie de sono que temos, infância
da doença.

Uma velhice que nos acompanha desde a infância
da doença.

Alberto Caeiro


Sempre que penso uma coisa, traio-a.
Só tendo-a diante de mim devo pensar nela.
Não pensando, mas vendo,
Não com o pensamento, mas com os olhos.
Uma coisa que é visível existe para se ver,
E o que existe para os olhos não tem que existir para o pensamento;
Só existe verdadeiramente para o pensamento e não para os olhos.

Olho, e as coisas existem.
Penso e existo só eu.

(21 de maio de 1917)