domingo, 21 de abril de 2013

Orides Fontela (8)

NOTÍCIA


Não mais sabemos do barco
mas há sempre um náufrago:
um que sobrevive
ao barco e a si mesmo
para talhar na rocha
a solidão.


(Transposição, 1966-1967)
(in Poesia reunida, São Paulo: Cosac Naify, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006)

Orides Fontela (7)

LUDISMO


Quebrar o brinquedo
é mais divertido.

As peças são outros jogos:
construiremos outro segredo.
Os cacos são outros reais
antes ocultos pela forma
e o jogo estraçalhado
se multiplica ao infinito
e é mais real que a integridade: mais lúcido.

Mundos frágeis adquiridos
no despedaçamento de um só.
E o saber do real múltiplo
e o sabor dos reais possíveis
e o livre jogo instituído
contra a limitação das coisas
contra a forma anterior do espelho.

E a vertigem das novas formas
multiplicando a consciência
e a consciência que se cria
em jogos múltiplos e lúcidos
até gerar-se totalmente:
no exercício do jogo
esgotando os níveis do ser.

Quebrar o brinquedo ainda
é mais brincar.


(Transposição, 1966-1967)
(in Poesia reunida, São Paulo: Cosac Naify, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Nichita Stănescu (6)


Semnal

Încet! Mergeţi încet!
Nu vedeţi? Piatra e obosită.
Ea doarme. Doamne, ea doarme.
Piatra e foarte obosită.
Îndepărtaţi caii!
Şi tu, ce faci acolo, tu...
Cu tine vorbesc! Fii atent!
Face prea mult zgomot răsărirea aceasta de soare
Piatra e obosită.
Să tacă luna răsărind!
Aveţi grije, faceţi tăcere. Tăceţi –
Piatra e obosită.

(1972)

**

O sinal

Calma! Não façam barulho!
Ainda não perceberam? A pedra está cansada.
E dorme. Meu Deus, ela dorme!
A pedra está muito cansada.
Afastem os cavalos!
Ei, e você... o que faz aí?
Falo contigo! Escute!
De tão estrondosa alvorada,
A pedra está cansada.
Também a lua guardará silêncio!
Cuidado, por favor. Não falemos –
A pedra está cansada.

(1972)

[trad. joão monteiro]

Inquietações (painel), de N. Stănescu

Inquietações

























Oração (painel), de N. Stănescu


Oração






























Autorretrato (painel), de N. Stănescu

Autorretrato 




























[painel apresentado na Mostra "Nichita Stănescu - 80 anos", do Instituto Cultural Romeno de Lisboa]
 

domingo, 7 de abril de 2013

Entrevista: Adam Puslojić - Nichita Stănescu

[e, em continuidade aos festejos – 80 anos de Stănescu –, compartilho...]

ENTREVISTA (em romeno).
Adam Puslojić, poeta sérvio, intermedeia diálogo com Nichita Stănescu.

Depoimento emocionante: "O que é poesia?"



[o poeta não cria, apenas decodifica a poesia que existe no mundo.]

Daniel Faria (2)


Examinemos um homem no chão
Testemos a transformação de um homem por terra
A sua natureza tão diferente da lava, a sua maneira mineral
De adormecer.
O que mais interessa é ver o seu lugar rodando para perceber o eixo
Que o move no mundo
Ou como pode a sua posição orientar as aves e os astros.

Interessa também a pedra que ele agarra como alimento
Ou que mão escolhe para lhe servir de funda
– se é que não usa a própria boca para lançar o grito.

Examinemo-lo quando desperta para percebermos de onde vem
Para sabermos se o caminho se repete. Se abre os olhos
Prontos a receber imagens ou então como alguém que desmaiou
Ao chocar contra si próprio.
Interessa perceber os motivos da colisão, se acaso
Terá mastigado a pedra até a misturar no sangue.

Examinemos a sua semelhança com um meteoro que cai
Uma fisionomia sem vocação para subir ao céu
O peso do seu corpo quando o nosso olhar o levanta.
Interessa perceber o íman que cria para nós um lugar junto dele
Um lugar dentro dele. Há um olhar que nos desloca –
A placa giratória do amor?

Interessa também o coração que ele agarra como fruto que colhe
Ou que veia abre no corpo para beber
– se não é que é a pedra o que ele bebe com as mãos.

Examinemo-lo como quem sai de casa e vê o seu irmão
Examinemo-lo voltado, em viagem, a orientação discreta
De quem cava no peito a bússola.
Interessa reparar como tropeça no mistério
E se levanta a pedra para compreender.


(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)

Luís Quintais

POESIA, MELANCOLIA, VELOCIDADE


A poesia é um horizonte de árvores negras
desenhado no chão da biografia,

uma forma de melancolia consentida,
ou tão-só a definida solitária translação

de uma rosa onde se recolhe
o indiviso fogo por dizer.

Hoje, comecei a escrever tarde
e, rapidamente, por ágil verdade,

terminei o exercício pedido.
Estou certo de que tudo

é comércio, uma ilegibilidade
entre rostos. Depois disso há a leveza

de um sonho ou de uma nuvem,
o amor liquefeito como coisa mental

dobrando-se, a serpente mortal da linguagem.
Arrumei a mala, fechei a escrita.

Só a velocidade nos pode restituir a beleza.
É veloz o mundo e os papéis voam.


(in a vista desarmada, o tempo largo. Antologia. Poetas em homenagem a Vasco Graça Moura. Quetzal Editores, Lisboa, 2012)