domingo, 26 de fevereiro de 2012

Wisława Szymborska (4): "adeus, minha senhora"

FUNERAL

"tão de repente, quem podia adivinhar"
"nervos e cigarros, eu bem que avisei"
"mais ou menos, obrigado"
"desembrulhe essas flores"
"o irmão também foi do coração, deve ser de família"
"com essa barba eu nunca ia reconhecer você"
"a culpa é dele, estava sempre metido em alguma"
"aquele novo ia fazer o discurso, não consigo encontrar ele"
"O Kazek está em Varsóvia, o Tadek no exterior"
"só você foi esperta, trouxe o guarda-chuva"
"e daí que era o mais talentoso deles"
"um quarto de passagem, a Baśka não vai concordar"
"claro que ele tinha razão, mas isso ainda não é motivo"
"com uma portinha esmaltada, adivinha quanto"
"duas gemas, uma colherinha de açúcar"
"não era da conta dele, pra que isso"
"só azuis e só números pequenos"
"cinco vezes, e nenhuma resposta"
"que seja, eu podia, mas você também podia"
"ainda bem que pelo menos ele tinha esse cargo"
"não, não sei, talvez parentes"
"o padre é a cara do Belmondo"
"ainda não estive nesta parte do cemitério"
"sonhei com ele faz uma semana, foi um pressentimento"
"não é feia a filha"
"é o que nos espera a todos"
"deem pêsames à viúva por mim, tenho que correr para"
"no entanto em latim soava mais solene"
"foi-se, acabou-se"
"adeus, minha senhora"
"que tal uma cerveja"
"me ligue, a gente se fala"
"o número quatro ou o doze"
"vou pra cá"
"nós pra lá"

(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)

http://aeiou.expresso.pt/morreu-wislawa-szymborska-nobel-da-literatura-1923-2012=f702588

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Orides Fontela (3)

ODE


Neste tudo
tudo falta

(neblina)

e nesta
falta: eis
tudo.


(Rosácea, 1986)
(in Poesia reunida, São Paulo: Cosac Naify, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006)

CD - Confidência (piano)



DOWNLOAD do disco no LINK:

http://www.mediafire.com/?pprnxg5nbnu2b51

Autores românticos brasileiros:
piano, joão monteiro

Alberto Nepomuceno (1864-1920)
1. Folha d'álbum
2. Noturno op. 33
3. Improviso op. 27, n. 2
Leopoldo Miguez (1850-1902)
4. Noturno op. 10
Henrique Oswald (1852-1931)
5. Cançoneta op. 20
6. Noturno op. 14, n. 5
7. Confidência op. 13
Celso Pacheco (1941)
8. Improviso n. 3
Carlos Gomes (1836-1896)
9. Quadrilha
10. Quem sabe?!

Marina Tsvetáieva (3)

A roupa branca eu lavo no rio,
Duas florzinhas eu crio.

Toca o sino – eu me persigno,
No tempo da fome – me afino.

A alma e o cabelo – como seda.
Mais cara que a vida – a boa vereda.

Cumpro fiel a minha obrigação.
– Mas amo você – lobo e ladrão!

(entre 26 de maio e 4 de junho de 1918)


(in Indícios flutuantes, trad. Aurora F. Bernardini, Martins Fontes, 2006)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Franz Liszt

Concerto para piano n. 2





[Daniel Barenboim, piano]
[Pierre Boulez, regência]

Tahar son peuple

(à Tahar Ben Jelloun)


on a mutilé le corps de l’illusion
et a ensanglanté le ciel en braises

taire
ça ne suffit plus

mémoires
tournent-soleils de la foule qui se tait

la langue coupée avec des épines
dans les champs de fleurs:
cicatrice solaire de l’histoire

moi
qui ne sais pas écrire
otage
- déchirure du froid passé
donne-moi
un peu d’espoir
pour me réchauffer
en doute

peau dé-suturée
blessure cousue au contraire

visage solitaire
le poète de Fez

vive l’arc-en-ciel!

sábado, 4 de fevereiro de 2012

fisiologia do quotidiano

(a Samuel Beckett)

I

eu respiro
com a res
piro

cimento as ideias
esqueço os conceitos

respiração:
sublime ato de esquecimento

II

o vaivém romperá
o dia
o fragmento
o magma

para enfim completar os atos propícios
à suprema asfixia

III

fixo-me em três coisas essenciais:
essência de ar
essência de rã
essência de arara

assim
construo minha teia de aranha

Lucian Blaga (6)

STALACTITA

Tăcerea mi-este duhul -
şi-ncremenit cum stau şi paşnic
ca un ascet de piatră,
îmi pare
că sunt o stalactită într-o grotă uriaşă,
în care cerul este bolta.
Lin,
lin,
lin - picuri de lumină
şi stropi de pace - cad necontenit
din cer
şi împietresc - în mine.

**

ESTALACTITE

Minha alma está tomada de silêncio –
e com esta quietude me espanto
contemplando imóvel,
confundo-me
estalactite em gruta profunda,
sob abóbada celeste.
Pouco
a pouco,
lento – frestas luminosas
e gotas de paz caem vazias
do céu
petrificando-se – em mim.


(trad. joão monteiro)

Esteban Menis (2)

Adolescência






Curta-metragem (2006) de Esteban Menis, com atuação do próprio diretor argentino, autor também do memorável longa "Incômodos", já comentado neste blog.