casi juicio final
Mi callejero no hacer nada vive y se suelta por la variedad de la noche.
La noche es una fiesta y sola.
En mi secreto corazón yo me justifico y ensalzo.
He atestigado el mundo, he confesado la rareza del mundo.
He cantado lo eterno: la clara luna volvedora y las mejillas que apetecen el amor.
He conmemorado con versos la ciudad que me ciñe y los arrabales que se desgarran.
He dicho asombro donde otros dicen solamente costumbre.
Frente a la canción de los tibios, encendí mi voz en ponientes.
A los antepasados de mi sangre y a los antepasados de mis sueños he exaltado y cantado.
He sido y soy.
He trabajado en firmes palabras mi sentimiento que pudo haberse disipado en ternura.
El recuerdo de una antigua vileza vuelve a mi corazón.
Como el caballo muerto que la marea inflige a la playa, vuelve a mi corazón.
Aún están a mi lado, sin embargo, las calles y la luna.
El agua sigue siendo grata em mi boca y el verso no me niega su gracia.
Siento el pavor de la belleza; ¿quién se atreverá a condenarme si esta gran luna de mi soledad me perdona?
(in luna de enfrente, 1925)
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
Jorge Luis Borges
jactancia de quietud
Escrituras de luz embisten la sombra, más prodigiosa que meteoros.
La alta ciudad inconocible arrecia sobre el campo.
Seguro de mi vida y de mi muerte, miro los ambiciosos y quisiera entenderlos.
Su día es ávido como el lazo en el aire.
Su noche es tregua de la ira en el hierro, pronto en acometer.
Hablan de humanidad.
Mi humanidad está en sentir que somos voces de una misma penuria.
Hablan de patria.
Mi patria es un latido de guitarra, unos retratos y una vieja espada,
la oración evidente del sauzal en los atardeceres.
El tiempo está viviéndome.
Más silencioso que mi sombra, cruzo el tropel de su levantada codicia.
Ellos son imprescindibles, únicos, merecedores del mañana.
Mi nombre es alguien y cualquiera.
Paso con lentitud, como quien viene de tan lejos que no espera llegar.
(in luna de enfrente, 1925)
Escrituras de luz embisten la sombra, más prodigiosa que meteoros.
La alta ciudad inconocible arrecia sobre el campo.
Seguro de mi vida y de mi muerte, miro los ambiciosos y quisiera entenderlos.
Su día es ávido como el lazo en el aire.
Su noche es tregua de la ira en el hierro, pronto en acometer.
Hablan de humanidad.
Mi humanidad está en sentir que somos voces de una misma penuria.
Hablan de patria.
Mi patria es un latido de guitarra, unos retratos y una vieja espada,
la oración evidente del sauzal en los atardeceres.
El tiempo está viviéndome.
Más silencioso que mi sombra, cruzo el tropel de su levantada codicia.
Ellos son imprescindibles, únicos, merecedores del mañana.
Mi nombre es alguien y cualquiera.
Paso con lentitud, como quien viene de tan lejos que no espera llegar.
(in luna de enfrente, 1925)
terça-feira, 24 de dezembro de 2013
O silêncio também é música
o silêncio também é música
aquela
que se canta no canto
(ao
lado)
às
margens das notas:
os
contos
precisam
dos pontos
(e
é por isso que,
ao lado das palavras,
usamos vírgulas
[mas as vírgulas na poesia
muitas vezes são aspas silenciosas]
: licença poética)
si
= li
lên
= cen
cio
= ça
se
queremos contar uma coisa
e
não conseguimos,
faltam pontos
faltam pontos
em
nosso silêncio
se
falamos além
do que queríamos,
do que queríamos,
falta
silêncio
em
nossos pontos
(e
isso acontece demais
[eis a importância de respirar]
)
Pensamentos sobre a arte
Todas as artes são como espelhos destinados a mostrar aos homens aquilo que, até então, desconheciam a respeito de si.
(Alain)
*
Uma questão, não tão ridícula quanto possa inicialmente parecer: existe um bom gosto em homens de corações corrompidos?
(Denis Diderot)
*
Os templos edificados em tributo à religião são, na verdade, tributos à arquitetura.
(Ludwig Feuerbach)
*
Sem música, a vida seria um erro
(Friedrich Nietzsche)
O crítico assiste a concertos e a peças de teatro; o jornalista frequenta a academia; a imprensa reina na sociedade; e a arte acabou, enfim, por degenerar-se em algo a serviço da diversão e de um entretenimento fácil; a crítica estética, assim, apresenta-se como instrumento de uma sociedade frívola, egoísta, dispersa e miseravelmente banal... Embora falemos de arte hoje com uma frequência não usual em outros tempos, não menos atual é o descaso na vivência artística.
(Friedrich Nietzsche)
A arte, e nada além da arte! Apenas ela nos permite suportar a vida. A arte é mais importante para o homem que a verdade.
(Friedrich Nietzsche)
*
A obra de arte – como o são os produtos em geral – cria um público apto a compreendê-la e a dela fruir. A produção artística, então, não apenas resulta da criação de um objeto por um sujeito, mas também da criação de um sujeito por um objeto.
(Karl Marx)
(in Pensées sur l'art, compilados por André Comte-Sponville, Paris: Albin Michel, 1999)
domingo, 22 de dezembro de 2013
Troca de livros
O site livralivro.com.br é um lugar bem legal para os interessados em troca de livros.
Fica aqui a dica.
Pablo Neruda (2)
FIN DE FIESTA
[excerto]
IX
La noche se parece al agua, lava el cielo,
entra en los sueños con un chorro agudo
la noche
tenaz, interrompida y estrellada
sola
barriendo los vestigios
de cada día muerto
en lo alto las insignias
de su estirpe nevada
y abajo
entre nosotros
la red de sus cordeles, sueño y sombra.
De agua, de sueño, de verdad desnuda,
de piedra y sombra
somos o seremos,
y los nocturnos no tenemos luz,
bebemos noche pura,
en el reparto nos tocó la piedra
del horno cuando fuimos
a sacar el pan
sacamos sombra
y por la vida
fuimos
divididos:
nos partió la noche,
nos educó en mitades
y anduvimos
sin tregua, traspasados
por estrellas.
(in Cantos cerimoniales, 1961)
[excerto]
IX
La noche se parece al agua, lava el cielo,
entra en los sueños con un chorro agudo
la noche
tenaz, interrompida y estrellada
sola
barriendo los vestigios
de cada día muerto
en lo alto las insignias
de su estirpe nevada
y abajo
entre nosotros
la red de sus cordeles, sueño y sombra.
De agua, de sueño, de verdad desnuda,
de piedra y sombra
somos o seremos,
y los nocturnos no tenemos luz,
bebemos noche pura,
en el reparto nos tocó la piedra
del horno cuando fuimos
a sacar el pan
sacamos sombra
y por la vida
fuimos
divididos:
nos partió la noche,
nos educó en mitades
y anduvimos
sin tregua, traspasados
por estrellas.
(in Cantos cerimoniales, 1961)
sábado, 21 de dezembro de 2013
Diálogo sobre a natureza humana
(por Edgar Morin e Boris Cyrulnik)
EDGAR MORIN
É interessante observar o seguinte paradoxo: é por razões irracionais que nós racionalizamos.
BORIS CYRULNIK
Concordo contigo! De fato, ninguém consegue explicar a necessidade humana de racionalização e de busca por coerência nas coisas. Mas precisamos entender que, talvez, essa necessidade de coerência seja estimulada pelo cérebro. Os animais vivem em um mundo mais contextual que o mundo dos homens, já que, ao menos em tese, o mundo animal desconhece o fenômeno linguístico. Já o homem pauta sua vida em discursos narrativos, em especulações, em virtualidades, em fórmulas e teoremas. Nossas emoções também têm explicações físicas. Se eu estimular o rinencéfalo, a porção do córtex cerebral responsável pelo olfato, ou se eu extrair parte de meu lobo frontal, seria capaz de dotar-me de um sistema de representação completamente diverso. Para a explicação das emoções humanas, portanto, não há apenas respostas nos fatores sócio-culturais que nos cercam, mas há respostas também na própria atividade cerebral.
EDGAR MORIN
Acrescento, ainda. A dúvida não deve ser capaz de suplantar a fé. Aqueles que creem não podem, igualmente, ignorar a dúvida em prol de dogmas. Mesmo para os mais céticos, a fé será sempre potencialmente possível em momentos de fraqueza. Nos tempos atuais, creio não ser possível encarar fé e dúvida como compartimentos estanques. O estado mais sublime de ambas as coisas deve pressupor uma convivência harmônica. No mundo animal, o desenvolvimento da inteligência não ocorre em detrimento do desenvolvimento da afetividade; ao contrário, inteligência e afetividade desenvolvem-se conjuntamente. Mas também é verdade que o excesso de afetividade pode nos cegar em dadas situações. Sem a afetividade, nossa sede por conhecimento, nossos impulsos de busca por respostas para a compreensão do mundo estariam comprometidos. É definitivamente urgente que cessemos de afirmar que o desenvolvimento da inteligência acontece em detrimento da afetividade!
(in Dialogue sur la nature humaine, Éditions de l'Aube, 2000)
Adília Lopes
UM FIGO
Deixou cair a fotografia
um desconhecido correu atrás dela
para lhe entregar
ela recusou-se a pegar na fotografia
mas a senhora deixou cair isto
eu não posso ter deixado cair isto
porque isto não é meu
não queria que ninguém
e sobretudo um desconhecido
suspeitasse que havia uma relação
entre ela e a fotografia
era como se tivesse deixado cair
um lenço cheio de sangue
porque era ela quem estava na fotografia
e nada nos pertence tanto como o sangue
por isso quando uma pessoa se pica num dedo
leva logo o dedo à boca para chupar o sangue
o desconhecido apercebeu-se disso
é um retrato da senhora
pode ser o retrato de alguém muito parecido comigo
mas não sou eu
o desconhecido por ser muito bondoso
não insistiu
e como sabia que os mendigos
não têm dinheiro para tirar fotografias
deu a fotografia a um mendigo
que lhe chamou de figo
(in Antologia, Cosac & Naify, 7 Letras, 2002)
Deixou cair a fotografia
um desconhecido correu atrás dela
para lhe entregar
ela recusou-se a pegar na fotografia
mas a senhora deixou cair isto
eu não posso ter deixado cair isto
porque isto não é meu
não queria que ninguém
e sobretudo um desconhecido
suspeitasse que havia uma relação
entre ela e a fotografia
era como se tivesse deixado cair
um lenço cheio de sangue
porque era ela quem estava na fotografia
e nada nos pertence tanto como o sangue
por isso quando uma pessoa se pica num dedo
leva logo o dedo à boca para chupar o sangue
o desconhecido apercebeu-se disso
é um retrato da senhora
pode ser o retrato de alguém muito parecido comigo
mas não sou eu
o desconhecido por ser muito bondoso
não insistiu
e como sabia que os mendigos
não têm dinheiro para tirar fotografias
deu a fotografia a um mendigo
que lhe chamou de figo
(in Antologia, Cosac & Naify, 7 Letras, 2002)
Pablo Neruda
FIN DE FIESTA
[excerto]
I
Hoy es el primer día que llueve sobre Marzo,
sobre las golondrinas que bailan en la lluvia,
y otra vez en la mesa está el mar,
todo está como estuvo dispuesto entre las olas,
seguramente así seguirá siendo.
Seguirá siendo, pero yo, invisible,
alguna vez ya no podré volver
con brazos, manos, pies, ojos, entendimiento,
enredados en sombra verdadera.
II
En aquellla reunión de tantos invitados
uno por uno fueron regresando a la sombra
y son así las cosas después de las reuniones,
se dispersan palabras, y bocas, y caminos,
pero hacia un solo sitio, hacia no ser, de nuevo
se pusieron a andar todos los separados.
III
FIN DE FIESTA... Llueve sobre Isla Negra,
sobre la soledad tumultuosa, la espuma,
el polo centelleante de la sal derribada,
todo se ha detenido menos la luz del mar.
Y adónde iremos?, dicen las cosas sumergidas.
Qué soy?, pregunta por primera vez el alga,
y una ola, otra ola, otra ola responden:
nace y destruye el ritmo y continúa:
la verdad es amargo movimiento.
(in Cantos cerimoniales, 1961)
[excerto]
I
Hoy es el primer día que llueve sobre Marzo,
sobre las golondrinas que bailan en la lluvia,
y otra vez en la mesa está el mar,
todo está como estuvo dispuesto entre las olas,
seguramente así seguirá siendo.
Seguirá siendo, pero yo, invisible,
alguna vez ya no podré volver
con brazos, manos, pies, ojos, entendimiento,
enredados en sombra verdadera.
II
En aquellla reunión de tantos invitados
uno por uno fueron regresando a la sombra
y son así las cosas después de las reuniones,
se dispersan palabras, y bocas, y caminos,
pero hacia un solo sitio, hacia no ser, de nuevo
se pusieron a andar todos los separados.
III
FIN DE FIESTA... Llueve sobre Isla Negra,
sobre la soledad tumultuosa, la espuma,
el polo centelleante de la sal derribada,
todo se ha detenido menos la luz del mar.
Y adónde iremos?, dicen las cosas sumergidas.
Qué soy?, pregunta por primera vez el alga,
y una ola, otra ola, otra ola responden:
nace y destruye el ritmo y continúa:
la verdad es amargo movimiento.
(in Cantos cerimoniales, 1961)
domingo, 8 de dezembro de 2013
sábado, 7 de dezembro de 2013
e. m. de melo e castro (2)
Desoposições
A mentira não se opõe à verdade
porque a mentira tem a verdade
de ser mentira.
O feio não se opõe ao belo
porque o feio tem uma verdade
sua.
Mas o belo pode conter a mentira
e o feio.
Isto é: a verdade é tão absolutamente relativa
como a mentira.
Isto é: ambas são rebeldes.
(in Neo-Poemas-Pagãos, São Paulo: Annablume, 2010)
A mentira não se opõe à verdade
porque a mentira tem a verdade
de ser mentira.
O feio não se opõe ao belo
porque o feio tem uma verdade
sua.
Mas o belo pode conter a mentira
e o feio.
Isto é: a verdade é tão absolutamente relativa
como a mentira.
Isto é: ambas são rebeldes.
(in Neo-Poemas-Pagãos, São Paulo: Annablume, 2010)
Nelson Ascher (2)
Arte poética
Hol lettem részeg? elfeledtem részegen
Sándor Weöres
Como é que vim parar
aqui quero dizer
no meio da poesia
quero dizer no meio
agora deste poema
aqui como é que vim
quero dizer agora
mesmo parar aqui
quero dizer no meio
sei lá de onde nem quando
e é como se tivesse
sei lá embebedado
e não lembrasse quero
dizer nem lembro mesmo
agora onde nem quando
nem quanto é que bebi
se é que bebi sei lá
o que mesmo mas vim
quero dizer agora
sei lá se vim parar
quero mas essa dor de
cabeça que não passa
dizer aqui no meio
sei lá mesmo do quê?
(in Parte alguma: poesia (1997-2004), São Paulo: Companhia das Letras, 2005)
Hol lettem részeg? elfeledtem részegen
Sándor Weöres
Como é que vim parar
aqui quero dizer
no meio da poesia
quero dizer no meio
agora deste poema
aqui como é que vim
quero dizer agora
mesmo parar aqui
quero dizer no meio
sei lá de onde nem quando
e é como se tivesse
sei lá embebedado
e não lembrasse quero
dizer nem lembro mesmo
agora onde nem quando
nem quanto é que bebi
se é que bebi sei lá
o que mesmo mas vim
quero dizer agora
sei lá se vim parar
quero mas essa dor de
cabeça que não passa
dizer aqui no meio
sei lá mesmo do quê?
(in Parte alguma: poesia (1997-2004), São Paulo: Companhia das Letras, 2005)
sábado, 2 de novembro de 2013
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
Emily Dickinson (12)
Delight – becomes
pictorial –
When viewed through
Pain –
More fair – because
impossible
That any gain –
The Mountain – at a
given distance –
In Amber – lies –
Approached – the
Amber flits – a little –
And That's – the
Skies –
*
Prazer – vira pintura
–
Se visto pela Dor –
Melhor – porque
impossível
Ao fruidor –
A Montanha – à
distância –
É Âmbar – um véu –
Perto – dispersa-se –
a ânsia –
E isto é – o Céu –
(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)
Emily Dickinson (11)
Success is counted
sweetest
By those who ne'er
succeed.
To comprehend a nectar
Requires sorest need.
Not one of all the
purple Host
Who took the Flag today
Can tell the definition
So clear of Victory
As he defeated –
dying –
On whose forbidden ear
The distant strains of
triumph
Burst agonized and
clear!
*
O Sucesso é mais doce
A quem nunca sucede.
A compreensão do
néctar
Requer severa sede.
Ninguém da Hoste
ignara
Que hoje desfila em
Glória
Pode entender a clara
Derrota da Vitória
Como esse – moribundo
–
Em cujo ouvido o
escasso
Eco oco do triumfo
Passa como um fracasso!
(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)
Emily Dickinson (10)
If recollecting were
fogetting,
Then I remember not.
And if forgetting,
recollecting,
How near I had forgot.
And if to miss, were
merry,
And to mourn, were gay,
How very blithe the
fingers
That gathered this,
Today!
*
Se recordar fosse
esquecer,
Eu não me lembraria.
Se esquecer, recordar,
Eu logo esqueceria.
Se quem perde é feliz
E contente é quem
chora,
Que alegres são os
dedos
Que colhem isto, Agora!
(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)
Emily Dickinson (9)
We
lose – because we win –
Gamblers
– recollecting which
Toss
their dice again!
*
Um perde – o outro
ganha –
Jogadores jogados –
Lançam de novo os
dados!
(in Não sou ninguém - poemas, trad. Augusto de Campos, Ed. Unicamp, 2009)
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
João Guimarães Rosa
O
correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer
da gente é coragem.
(Grande
Sertão: Veredas)
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
O silêncio do deserto do Atacama
MOSTRA DE FOTOGRAFIA EM BRASÍLIA
O silêncio do deserto do Atacama
Mostra reúne 16 trabalhos do artista plástico e fotográfo Nazareno Stanislau, com curadoria de Bisser Nai.
Durante viagem à cidade de San Pedro de Atacama, teve a ideia de registrar todos os momentos do cenário para suscitar uma reflexão sobre a ausência do ser humano no mundo.
De 27/9/13 a 26/10/13, no Instituto Cervantes
Quadra 707/907 Sul, entrada franca.
De segunda a sexta-feira: das 11h às 21h.
Aos sábados: das 9h às 14h.
sábado, 28 de setembro de 2013
Mauro Cappelletti (2)
COMMIATO
A coisa maior,
diz a filosofia,
é a morte: o tudo e o nada.
Mas a coisa mais bela,
diz o poeta,
é esta centelha:
a existência.
(29.4.1986)
(in Centelhas, trad. Alexei Bueno, Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994)
A coisa maior,
diz a filosofia,
é a morte: o tudo e o nada.
Mas a coisa mais bela,
diz o poeta,
é esta centelha:
a existência.
(29.4.1986)
(in Centelhas, trad. Alexei Bueno, Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994)
Mauro Cappelletti
SPARKS
Raras centelhas
no espaço escuro
átimos
de efêmeras paixões
de desordenadas visões.
É esta a nossa a vida;
o resto é sono,
o sono sem fim
que será,
misterioso imenso negro fantasma
que mente humana
não pode compreender
ainda quando
mudado em devastadora tormenta
penetra e sacode o nosso espírito
atraindo-lhe
centelhas raras
no espaço escuro.
(19.4.1986)
(in Centelhas, trad. Alexei Bueno, Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994)
Raras centelhas
no espaço escuro
átimos
de efêmeras paixões
de desordenadas visões.
É esta a nossa a vida;
o resto é sono,
o sono sem fim
que será,
misterioso imenso negro fantasma
que mente humana
não pode compreender
ainda quando
mudado em devastadora tormenta
penetra e sacode o nosso espírito
atraindo-lhe
centelhas raras
no espaço escuro.
(19.4.1986)
(in Centelhas, trad. Alexei Bueno, Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994)
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
domingo, 8 de setembro de 2013
Daniel Faria (7)
(de explicações das casas)
Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
Daniel Faria (6)
(de explicações das casas)
1
De manhã vendeu a casa e o arado
Atrás de si a mulher roçando os socos.
Quando o pai morreu ela dissera:
Não terei saudades deste mundo.
2
Na madeira da casa estão os líquenes.
Não chegam para adornar os seus cabelos
Mas podem curar muitas doenças.
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
1
De manhã vendeu a casa e o arado
Atrás de si a mulher roçando os socos.
Quando o pai morreu ela dissera:
Não terei saudades deste mundo.
2
Na madeira da casa estão os líquenes.
Não chegam para adornar os seus cabelos
Mas podem curar muitas doenças.
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
Daniel Faria (5)
(de explicações das casas)
Os homens descansam na sombra
Pensam em silêncio
Na meditação do pássaro.
Por dentro só o rumor
Das enxadas os afasta.
As mulheres esfregam o soalho
Interrogam em silêncio
A meditação dos homens.
Por dentro só o rumor
Das vassouras os comove
E brancas as casas.
As casas.
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
Os homens descansam na sombra
Pensam em silêncio
Na meditação do pássaro.
Por dentro só o rumor
Das enxadas os afasta.
As mulheres esfregam o soalho
Interrogam em silêncio
A meditação dos homens.
Por dentro só o rumor
Das vassouras os comove
E brancas as casas.
As casas.
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
Daniel Faria (4)
(de explicações das casas)
Não fui margem sem outra margem onde ligar os braços
Mas fui tempo solto para entrançar os meus cabelos
E o movimento dos teus pés descalços
Não fui a solidão inteira nem reclusa
Para o único repouso entre o silêncio
Nem fui a flor exausta defendendo-se
De toda mão que a quis despetalar
Não fui a casa que a si mesma se abrigou
Nem a morada que nunca se acolheu
Mas o tempo a pedir que me deixasse
Naquilo que não fui vim encontrar-me
E sempre que te vi recomecei
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
Não fui margem sem outra margem onde ligar os braços
Mas fui tempo solto para entrançar os meus cabelos
E o movimento dos teus pés descalços
Não fui a solidão inteira nem reclusa
Para o único repouso entre o silêncio
Nem fui a flor exausta defendendo-se
De toda mão que a quis despetalar
Não fui a casa que a si mesma se abrigou
Nem a morada que nunca se acolheu
Mas o tempo a pedir que me deixasse
Naquilo que não fui vim encontrar-me
E sempre que te vi recomecei
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
sábado, 10 de agosto de 2013
Marin Sorescu (5)
Mai
mult ca perfectul
Pe
spatele aripii este notat
Mai
mult ca perfectulZborului.
Pe
spatele peştelui e desenat
Înotul
viitorului.
Acolo
unde credeam că se termină,
Lucrurile
revin asupra lor;Faţa văzută e doar o ciornă.
De ce să fim pesimişti
În legătură cu stingerea ochilor?
Pe spatele lor
Natura şi-a notat
O idee şi mai îndrăzneaţă
Despre orbire.
(Moartea
ceasului, 1966)
**
O mais perfeito
É
no dorso das asas
Que
se contorna o mais perfeitodos voos.
É
em sua cauda que os peixes impulsionam
o
nado novo.
Quando os projetos enfim acabam
Principia a execução;
A face das coisas é esboço, apenas.Principia a execução;
Por que a relutância
em cerrar os olhos?
É no dorso de suas órbitas
Que a natureza programa
A mais ousada das constatações
Sobre a cegueira.
(A
morte das horas, 1966)
(trad. joão monteiro)
Marin Sorescu (4)
Jurnal intim
Puţin
îmi pasă mie
De
noutăţile voastre.Eu vin cu noutăţile mele.
(Poezii,
1996)
**
Diário
íntimo
Quase nada a teu respeito.
Ainda assim, trago-te minhas últimas notícias.
(Poesias,
1996)
(trad. joão monteiro)
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Alberto Caeiro (5)
Há metafísica bastante em não pensar nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica tem aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de ter fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber o que não sabem?
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido ínfimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É, acrescentando, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta adentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu lhe obedeço,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Alberto Caeiro (4)
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Por que sequer atribuo eu
Beleza às cousas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe
Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das cousas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!
(11 de março de 1914)
Alberto Caeiro (3)
Li quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas,
não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era Natureza.
Alberto Caeiro (2)
Assim como falham as palavras
Assim como falham as palavras quando querem
exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem
exprimir qualquer realidade,
Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a
pensada.
Assim a mesma dita realidade existe, não o ser
pensada.
Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos, infância
da doença.
Uma velhice que nos acompanha desde a infância
da doença.
Alberto Caeiro
Sempre que penso uma coisa, traio-a.
Só tendo-a diante de mim devo pensar nela.
Não pensando, mas vendo,
Não com o pensamento, mas com os olhos.
Uma coisa que é visível existe para se ver,
E o que existe para os olhos não tem que existir para o pensamento;
Só existe verdadeiramente para o pensamento e não para os olhos.
Olho, e as coisas existem.
Penso e existo só eu.
(21 de maio de 1917)
sábado, 27 de julho de 2013
Friedrich Nietzsche [sobre a arte]
A arte, e nada além dela!
É apenas a arte que nos permite viver,
que nos persuade à vida.
A arte tem mais valor que a verdade.
**
Sem a música,
a vida seria um erro.
(in Pensamentos sobre a arte, textos escolhidos e apresentados por Comte-Sponville)
Marin Sorescu (3)
Fuga
Într-o zi
Mă voi ridica de la masa de scris
Şi voi începe să mă îndepărtez de cuvinte,
De voi
Şi de fiecare lucru în parte.
Până când muntele va rămâne în urmă.
Apoi mă voi lua după un nor,
Şi norul va rămâne în urmă.
Soarele va rămâne şi el în urmă,
Şi stelele, şi tot universul.
Algum dia,
Deixarei a escrivaninha
Para iniciar meu distanciamento das palavras,
Das pessoas
E de tudo que houver em torno.
Avistarei um monte no horizonte
E caminharei nessa direção
Até que sua imagem seja apenas vestígio.
(trad. joão monteiro)
Într-o zi
Mă voi ridica de la masa de scris
Şi voi începe să mă îndepărtez de cuvinte,
De voi
Şi de fiecare lucru în parte.
Voi vedea un
munte în zare
Şi voi merge
spre el,Până când muntele va rămâne în urmă.
Apoi mă voi lua după un nor,
Şi norul va rămâne în urmă.
Soarele va rămâne şi el în urmă,
Şi stelele, şi tot universul.
(Poeme, 1965)
**
A fuga
Algum dia,
Deixarei a escrivaninha
Para iniciar meu distanciamento das palavras,
Das pessoas
E de tudo que houver em torno.
Avistarei um monte no horizonte
E caminharei nessa direção
Até que sua imagem seja apenas vestígio.
Em seguida, abarcarei as nuvens
Até que elas também se esvaiam.
Depois, o sol,
as estrelas e todo o universo serão apenas rastro.
(Poemas, 1965)
(trad. joão monteiro)
Marin Sorescu (2)
Otrăvuri
Mi-au intrat în sânge
Şi-acum aştept
Să-şi facă efectul.
Simt că-nverzesc,
Din cauza ierbii.
Că mă umplu de prăpăstii
Şi de ceaţă,
Din cauza munţilor.
Că picioarele rotunjesc pe drum
Pietrele
Şi tot întreabă de mare,
Din cauza apei.
Şi mai simt că devin
Parcă albastru, parcă nemărginit,Cu stele pe ochi
Şi pe vârful degetelor.
(Moartea ceasului, 1966)
**
Tóxicos
Penetraram-me o sangue
E resta agora
Aguardar os efeitos.
Em razão da relva campestre,
Sinto que verdejo.
Assim como, em razão dos montes,
Estou repleto de dúvidasE de hesitações.
Já em razão das águas,
Meus pés achatam as pedras
Do caminho,
E me sinto instigado ante todas as coisas.
Sinto, ainda, que estou quase
Em estado celeste,
Reluzindo estrelas nos olhos
E sibilando o vento entre meus dedos.
(A morte das horas, 1966)
(trad. joão monteiro)
Vinicius de Moraes
Soneto de Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
(soneto musicado por Tom Jobim)
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Antônio LaCarne
saturday
em html eu destruí o mundo de cabo a rabo
(sempre anônimo)
mas com a foto de virginia woolf
na mão direita.
é que traduzi um fantasma em mim:
seus olhos
sua crosta terrestre
o monstro na jaula que nunca vê
o dia.
outra vez quero passar despercebido
mergulhar no verão
balançar o corpo de vez em quando
e nunca mais
pronunciar aquele chão de dores.
aí talvez
num corpo de elefante único no planeta
eu esqueça você indo embora
numa despedida que não tem cara
de despedida.
em html eu destruí o mundo de cabo a rabo
(sempre anônimo)
mas com a foto de virginia woolf
na mão direita.
é que traduzi um fantasma em mim:
seus olhos
sua crosta terrestre
o monstro na jaula que nunca vê
o dia.
outra vez quero passar despercebido
mergulhar no verão
balançar o corpo de vez em quando
e nunca mais
pronunciar aquele chão de dores.
aí talvez
num corpo de elefante único no planeta
eu esqueça você indo embora
numa despedida que não tem cara
de despedida.
domingo, 30 de junho de 2013
Marina Tsvetáieva (3)
A roupa branca eu lavo no rio,
Duas florzinhas eu crio.
Toca o sino – eu me persigno,
No tempo da fome – me afino.
A alma e o cabelo – como seda.
Mais cara que a vida – a boa vereda.
Cumpro fiel a minha obrigação.
– Mas amo você – lobo e ladrão!
(Марина Цветaева, in Indícios flutuantes, trad. Aurora F. Bernardini, Martins Fontes, 2006)
Carlos Frias de Carvalho (5)
Segredos do ar
a álvaro negro
habitas a casa
com o silêncio
da luz
a cor é o eco
que a voz
não reduz
esboças
no espelho
segredos do ar
vigias as vigas
as traves
o olhar
preenches as sombras
que vias
no vão
rasgas janelas
algumas
no chão
**
vento é tudo
a fernando pessoa
vento é tudo
alma alada
sombra nada
corpo mudo
(in lugares do vento, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 2009)
terça-feira, 25 de junho de 2013
Octavian Paler: autorretrato...
AUTORRETRATO ANTE O ESPELHO QUEBRADO
[Autoportret într-o oglindǎ spartǎ]
Quando finalmente seriam os sonhos mais tangíveis, dei-me conta: também as paixões envelhecem. Não sou capaz de assegurar minhas próprias vontades. Não me faltaram, decerto, metas falsas e entusiasmos pueris. Jamais minha imaginação concebeu um mundo sem ti. Ainda que não assumas o comum e paranóico orgulho de imaginar-te ao centro do mundo, algo sempre duro de admitir, faltou-te inteligência ou capacidade para aceitar que ninguém ensina o que quer que seja, exceto retratos amarelados, velhas fotos lançadas à lixeira tão logo partas. Aos outros, somos marionetes bufas, personagens melhores [ou atuantes patéticos]. Todas as certezas que já tive esvaíram-se, sem ressalva alguma. Também as alegrias passadas assumem tom melancólico na lembrança. O passado é vivo, integra o presente e o influencia na proporção do conflito diário. “Daqui a pouco” transforma-se em “mais tarde”. Comecei a perceber que, de atores em cena, tornamo-nos figurantes. E a memória revolve-se em perdão. A lembrança tem um dom estivo, dá-nos o verão como estação de destino. Hoje, sobram-me dúvidas; fito o céu apenas com a esperança de um guarda-chuva, como todos aqui em Bucareste, que, sob nenhum lirismo, admiram e respiram fumaça [quando chove, inevitavelmente pisamos em poças múltiplas]. Associando-me a outros, a atmosfera, de tão dura, não me permite integrar, e acabo sempre só. Porque busco alguma coisa [pouca coisa mas algo] e sou errante num mundo de tudo que te dá nada. A humanidade tomou o lugar do próprio homem. Hoje, preciso apenas de um muro para levantar e, por não o encontrar, eis o desespero. Uma vida medíocre é justificável. A mediocridade das ilusões, todavia, é inescusável. E continuamos sonhando, mais e mais [sem limites]. Por quê? Talvez, possa-me abandonar sobre a imagem quebrada do espelho, sem o temor do pecado. Soube que há uma língua atualmente falada por um homem apenas. Como discutir? O mistério mais sutil é a banalidade. Nesse cotidiano, guardo contigo meu segredo supremo. Seria a criação do universo uma obra banal? As estrelas apontam, todas as noites, nossa morte [ou vida constelada emudecida]. Deus criou o homem e confiou ao diabo a tarefa do desfazimento. O diabo não tem limites. Seria a linguagem o extremo dessa falta?
Atentei-me demais ao detalhe, perdi o foco?
[vou reescrever]
(trad. joão monteiro)
(in Autoportret într-o oglindǎ spartǎ, Ed. Albatros, Bucareste, 2007)
Eugénio de Andrade
ADAGIO
O outono é isto –
apodrecer de um fruto
entre folhas esquecido.
Água escorrendo,
quem sabe donde,
ocasional e fria
e sem sentido.
(in primeiros poemas. Porto Editora, Porto, 2012)
Armando Silva Carvalho
MANHÃ
Acordo
mais um dia
com ele o turvo e torpe véu sedento
do desejo.
Não me doem as costas
a matéria dos sonhos ainda me persegue
translúcida no quarto.
Só o peso do chão
do negro chão da espera
se estende espesso a meu lado como mundo
e metáfora.
(in a vista desarmada, o tempo largo. Antologia. Poetas em homenagem a Vasco Graça Moura. Quetzal Editores, Lisboa, 2012)
Daniel Faria (3)
EXPLICAÇÃO DO HOMEM
Não me verga a velhice nem o peso do crâneo
Mas os olhos cansados na dor de te não ver.
O chão tornou-se a última paisagem.
No mais longínquo da terra te levantas
E vejo erguer-se a poeira dos teus pés.
***
OUTRA EXPLICAÇÃO DO HOMEM
Sem sede nem repouso
Perdido no andar nos lembra
A amplitude
De pés juntos desce à água
E nem o gume da corrente poderá
Desatar-lhe os tornozelos
E ao descer nos lembra
O torvelinho
***
EXPLICAÇÃO DA GRAVIDADE
A lei das coisas é tombar
Interrogando-se:
Só o pássaro vive para o voo.
Quando pousa é igual ao homem que se senta
Para pensar.
O homem pensa que nada é mais profundo
Que depois de Deus os filhos os sismos.
***
EXPLICAÇÃO DO POETA
Pousa devagar a enxada sobre o ombro
Já cavou muito silêncio
Como punhal brilha em suas costas
A lâmina contra o cansaço
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
Não me verga a velhice nem o peso do crâneo
Mas os olhos cansados na dor de te não ver.
O chão tornou-se a última paisagem.
No mais longínquo da terra te levantas
E vejo erguer-se a poeira dos teus pés.
***
OUTRA EXPLICAÇÃO DO HOMEM
Sem sede nem repouso
Perdido no andar nos lembra
A amplitude
De pés juntos desce à água
E nem o gume da corrente poderá
Desatar-lhe os tornozelos
E ao descer nos lembra
O torvelinho
***
EXPLICAÇÃO DA GRAVIDADE
A lei das coisas é tombar
Interrogando-se:
Só o pássaro vive para o voo.
Quando pousa é igual ao homem que se senta
Para pensar.
O homem pensa que nada é mais profundo
Que depois de Deus os filhos os sismos.
***
EXPLICAÇÃO DO POETA
Pousa devagar a enxada sobre o ombro
Já cavou muito silêncio
Como punhal brilha em suas costas
A lâmina contra o cansaço
(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)
domingo, 16 de junho de 2013
domingo, 2 de junho de 2013
João Cabral de Melo Neto (2)
PAISAGEM DO CAPIBARIBE
I
§ A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.
§ O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão,
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
§ Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água do cântaro,
dos peixes da água,
da brisa na água.
§ Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos polvos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.
§ Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.
§ Abre-se em flores
pobres e negras
como negros.
Abre-se numa flora
suja e mais mendiga
como são os mendigos negros.
Abre-se em mangues
de folhas duras e crespos
como um negro.
§ Liso como o ventre
de uma cadela fecunda,
o rio cresce
sem nunca explodir.
Tem, o rio,
um parto fluente e invertebrado
como o de uma cadela.
§ E jamais o vi ferver
(como ferve
o pão que fermenta).
Em silêncio,
o rio carrega sua fecundidade pobre,
grávida de terra negra.
§ Em silêncio se dá:
em capas de terra negra,
em botinas ou luvas de terra negra
para o pé ou a mão
que mergulha.
§ Como às vezes
passa com os cães,
parecia o rio estagnar-se.
Suas águas fluíam então
mais densas e mornas;
fluíam como as ondas
densas e mornas
de uma cobra.
§ Ele tinha algo, então,
da estagnação de um louco.
Algo da estagnação
do hospital, da penitenciária, dos asilos,
da vida suja e abafada
(de roupa suja e abafada)
por onde se veio arrastando.
§ Algo da estagnação
dos palácios cariados,
comidos
de mofo e erva-de-passarinho.
Algo da estagnação
das árvores obesas
pingando os mil açúcares
das salas de jantar pernambucanas,
por onde veio se arrastando.
§ (É nelas,
mas de costas para o rio,
que "as grandes famílias espirituais"
[da cidade]
chocam os ovos gordos
de sua prosa.
Na paz redonda das cozinhas,
ei-las a revolver viciosamente
seus caldeirões
de preguiça viscosa).
§ Seria a água daquele rio
fruta de alguma árvore?
Por que parecia aquela
uma água madura?
Por que sobre ela, sempre,
como que iam pousar moscas?
§ Aquele rio
saltou alegre em alguma parte?
Foi canção ou fonte
em alguma parte?
Por que então seus olhos
vinham pintados de azul
nos mapas?
[O cão sem plumas, 1949-1950]
(in Melhores Poemas João Cabral de Melo Neto, sel. Antonio Carlos Secchin, São Paulo: Global, 2010)
domingo, 19 de maio de 2013
Paisagem conhecida
par
de sapatos
ao
canto
roupas
estiradas
sob o espelho
meia
dobra de lençol
(ofegante pouco a pouco)
uma
porção de noite
(divisa em frestas)
quadro
inclinado
quatro
tombos
jarro
d'água ao pé da cama,
o
mais absoluto vigor
(in gavetário, Curitiba: Medusa, 2012)
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