sábado, 21 de dezembro de 2013

Diálogo sobre a natureza humana

(por Edgar Morin e Boris Cyrulnik)

EDGAR MORIN
É interessante observar o seguinte paradoxo: é por razões irracionais que nós racionalizamos.

BORIS CYRULNIK
Concordo contigo! De fato, ninguém consegue explicar a necessidade humana de racionalização e de busca por coerência nas coisas. Mas precisamos entender que, talvez, essa necessidade de coerência seja estimulada pelo cérebro. Os animais vivem em um mundo mais contextual que o mundo dos homens, já que, ao menos em tese, o mundo animal desconhece o fenômeno linguístico. Já o homem pauta sua vida em discursos narrativos, em especulações, em virtualidades, em fórmulas e teoremas. Nossas emoções também têm explicações físicas. Se eu estimular o rinencéfalo, a porção do córtex cerebral responsável pelo olfato, ou se eu extrair parte de meu lobo frontal, seria capaz de dotar-me de um sistema de representação completamente diverso. Para a explicação das emoções humanas, portanto, não há apenas respostas nos fatores sócio-culturais que nos cercam, mas há respostas também na própria atividade cerebral. 

EDGAR MORIN 
Acrescento, ainda. A dúvida não deve ser capaz de suplantar a fé. Aqueles que creem não podem, igualmente, ignorar a dúvida em prol de dogmas. Mesmo para os mais céticos, a fé será sempre potencialmente possível em momentos de fraqueza. Nos tempos atuais, creio não ser possível encarar fé e dúvida como compartimentos estanques. O estado mais sublime de ambas as coisas deve pressupor uma convivência harmônica. No mundo animal, o desenvolvimento da inteligência não ocorre em detrimento do desenvolvimento da afetividade; ao contrário, inteligência e afetividade desenvolvem-se conjuntamente. Mas também é verdade que o excesso de afetividade pode nos cegar em dadas situações. Sem a afetividade, nossa sede por conhecimento, nossos impulsos de busca por respostas para a compreensão do mundo estariam comprometidos. É definitivamente urgente que cessemos de afirmar que o desenvolvimento da inteligência acontece em detrimento da afetividade!      

(in Dialogue sur la nature humaine, Éditions de l'Aube, 2000)

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