sábado, 28 de setembro de 2013

Mauro Cappelletti (2)

COMMIATO


A coisa maior,
            diz a filosofia,
é a morte: o tudo e o nada.
Mas a coisa mais bela,
             diz o poeta,
é esta centelha:
            a existência.

  (29.4.1986)

(in Centelhas, trad. Alexei Bueno, Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994)

Mauro Cappelletti

SPARKS


Raras centelhas
no espaço escuro
átimos
de efêmeras paixões
de desordenadas visões.
É esta a nossa a vida;
o resto é sono,
o sono sem fim
que será,
misterioso imenso negro fantasma
que mente humana
não pode compreender
ainda quando
mudado em devastadora tormenta
penetra e sacode o nosso espírito
atraindo-lhe
centelhas raras
no espaço escuro.

(19.4.1986)

(in Centelhas, trad. Alexei Bueno, Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994)

domingo, 8 de setembro de 2013

Daniel Faria (7)

(de explicações das casas)


Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra


(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)

Daniel Faria (6)

(de explicações das casas)


1

De manhã vendeu a casa e o arado
Atrás de si a mulher roçando os socos.
Quando o pai morreu ela dissera:
Não terei saudades deste mundo.

2

Na madeira da casa estão os líquenes.
Não chegam para adornar os seus cabelos
Mas podem curar muitas doenças.


(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)

Daniel Faria (5)

(de explicações das casas)


Os homens descansam na sombra
Pensam em silêncio
Na meditação do pássaro.
Por dentro só o rumor
Das enxadas os afasta.

As mulheres esfregam o soalho
Interrogam em silêncio
A meditação dos homens.
Por dentro só o rumor
Das vassouras os comove
E brancas as casas.

As casas.


(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)

Daniel Faria (4)

(de explicações das casas)


Não fui margem sem outra margem onde ligar os braços
Mas fui tempo solto para entrançar os meus cabelos
E o movimento dos teus pés descalços

Não fui a solidão inteira nem reclusa
Para o único repouso entre o silêncio
Nem fui a flor exausta defendendo-se
De toda mão que a quis despetalar

Não fui a casa que a si mesma se abrigou
Nem a morada que nunca se acolheu
Mas o tempo a pedir que me deixasse

Naquilo que não fui vim encontrar-me
E sempre que te vi recomecei


(in POESIA, Assírio & Alvim, Porto, 2012)