quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Luiza Neto Jorge (6)

EXORCISMO

o sangue o suor
a água lustral
o leite do sol
retido na mama
o sangue sangrando
com o vinho
o pranto o rito
líquido o vinho
tinto no mijo
de deus no sangue
descendo na urina
subindo água
benta no sangue
o filtro do amor
filtrando o suor
um licor dividindo
o choro do pus 


(in poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001)

Sophia de Mello Breyner Andresen (3)


PORTAS DA VILA

I

A casa está na tarde
Actual mas nos espelhos
Há o brilho febril de um tempo antigo
Que se debate emerge balbucia

II

Com um barulho de papel o vento range na palmeira
O brilho das estrelas suspende nosso rosto
Com seu jardim nocturno de paixão e perfume
A casa nos invade e nos rodeia

III

A casa vê-se de longe porque é branca
Mas sombrio
É o quarto atravessado pelo rio

IV

A casa jaz com mil portas abertas
O interior dos armários é obscuro e vazio
A ausência começa poisando seus primeiros passos
No quarto onde poisei o rosto sobre a lua
   
(in Geografia, Editorial Caminho, Lisboa, 2004)