quarta-feira, 28 de novembro de 2012

mira



                                        a mirada
                                        é morada
                                        dos olhos

                                        o que os olhos
                                        não veem

                                        demora

                                        de morada
                                        mente

 

Emily Dickinson (8)


Of whom so dear
The name to hear
Illumines with a Glow
As intimate – as fugitive
As Sunset on the snow –
 
***

De quem tão caro
O nome raro
Fulgura em Lume breve
Tão recatado – tão fugitivo
Como o Poente na neve.
 

(in 80 poemas de Emily Dickinson, trad. Jorge de Sena, Ed. Guimarães, 2010)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Wisława Szymborska (6)


Paisagem com grão de areia


Nós o chamamos de grão de areia.
Mas ele mesmo não se chama de grão, nem de areia.
Dispensa um nome
geral, particular
passageiro, permanente,
errado ou apropriado.

De nada lhe serve nosso olhar, nosso toque.
Não se sente olhado nem tocado.
E ter caído no parapeito da janela
é uma aventura nossa, não dele.
Para ele é o mesmo que cair em qualquer coisa
sem a certeza de já ter caído,
ou de ainda estar caindo.

Da janela há uma bela vista para o lago,
mas a vista não vê a si mesma.
Existe neste mundo
sem cor e sem forma,
sem som, sem cheiro, sem dor.

Sem fundo o fundo do lago
e sem margem as suas margens.
Nem molhada nem seca a sua água.
Nem singular nem plural a onda
que murmureja surda ao seu próprio murmúrio
ao redor de pedras nem grandes nem pequenas.

E tudo isso sob um céu por natureza inceleste,
no qual o sol se põe na verdade não se pondo
e se oculta não se ocultando atrás de uma nuvem insciente.

O vento a varre sem outra razão
que a de ventar.

Passa um segundo.
Dois segundos.
Três segundos.
Mas são três segundos somente nossos.

O tempo correu como um mensageiro com notícias urgentes.

Mas isso é só um símile nosso.
Uma personagem inventada, a sua pressa imposta
e a notícia inumana.


(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)

domingo, 25 de novembro de 2012

Acender uma vela


O príncipe ancião Ping, exímio guerreiro, disse uma vez ao velho cego mestre de música da corte:

- Gostaria de ter estudado a língua do antigos sábios, mas, com os compromissos de Estado e as batalhas, não me sobrou tempo. Hoje, aos sessenta anos, não está já tarde para começar?

- À noite, respondeu o músico, acendo uma vela. 

O príncipe espantou-se com a resposta e retrucou:

- Como? Abro-te o coração e, em troca, ouço um disparate! 

Impassível à indignação do príncipe, respondeu o mestre de música:

- Quando estudamos desde a juventude, apanhamos o meio-dia. Em idade mais madura, recolhemos o crepúsculo. Já na velhice, bem... dizem os velhos sábios: "é melhor acender uma vela que maldizer a escuridão".   


(in ANDRÉ, Paul. Contos dos sábios taoístas, L'ippocampo, Milão, 2009)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O senhor "eu..."


Próximo ao lago Djerid, lá onde a água e a terra formam o sal, um homem pretensioso bradava por praças e ruas seus discursos, sempre começando com "eu...". 

Se visse alguém erguer um muro, dizia:
- Eu faria assim.

Se visse um tecelão armar o tear, dizia:
- Teria feito assim.

Sempre o mesmo "eu...".

O próprio imã, que era um homem generoso e receptivo às palavras, depois de um tempo não o conseguia mais suportar.

Certo dia, numa ruela, o sabichão escorregou sobre figos podres. Com os quadris doloridos, bravejou ainda ao chão:
- Jamais plantaria aqui estas figueiras! 

Um menino, então, aproximou-se para dizer:
- Em teu lugar, eu apenas me levantaria.


[Quem tem resposta para tudo, quem sempre anuncia aquilo que supõe conhecer é certamente um ignorante]
HIKAM


(in ANDRÉ, Paul. Contos dos sábios do deserto, L'ippocampo, Milão, 2010)


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Carlos Frias de Carvalho (3)


nos meus olhos




as aves que partiam
da folhagem

nos meus olhos

ficavam sempre
mais sedentas

**

tantas vezes quis ser pássaro





tantas vezes quis ser pássaro
que à força de sonhar
a voar
por puro encanto
pus as penas a voar


(in Lugares do Vento, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 2009)
 

Meu amor marinheiro (Carminho)





Teologia (2)




Nichita Stănescu (4)

Rugăciunea


Iartă-mă şi ajută-mă
şi spală-mi ochiul
şi întoarce-mă cu faţa
spre invizibilul răsărit din lucruri.

Iartă-mă şi ajută-mă
şi spală-mi inima
şi toarnă-mi aburul sufletului,
printre degetele tale.

Iartă-mă şi ajută-mă
şi ridică de pe mine
trupul cel nou care-mi apasă
şi-mi striveşte trupul cel vechi.

Iartă-mă şi ajută-mă
şi ridică de pe mine
îngerul negru
care mi-a îndurerat caracterul.


(1972)

**

Oração


Perdoe-me, ajude-me
enxague-me os olhos,
vire-me a face 
ao passar vazio das coisas.

Perdoe-me, ajude-me
purifique-me o coração,
cubra-me com a névoa existencial
por ti dissipada.   

Perdoe-me, ajude-me
faça-me livre
para, desprendido deste corpo aflito,
desmanchar finalmente a velha carne. 

Perdoe-me, ajude-me
liberte de mim
o anjo sombrio
que me endureceu a alma.

(1972)
(trad. joão monteiro)

terça-feira, 6 de novembro de 2012

vicissitudes

 

                                                                                               vicissitudes, 22.10.12