domingo, 30 de outubro de 2011

René Char

Feuillets d'Hypnos
Folhas de Hipnos
(1943-1944)

À Albert Camus


21
Amer avenir, amer avenir, bal parmi les rosiers...

Amargo porvir, amargo porvir, baile entre as roseiras...


28
Il existe une sorte d'homme toujours en avance sur ses excréments.

Há uma espécie de homem que está sempre à frente de seus excrementos.


62
Notre héritage n'est précédé d'aucun testament.

Nenhum testamento precede nossa herança.


110

L'éternité n'est guère plus longue que la vie.

A eternidade não é muito maior que a vida.


165
Le fruit est aveugle. C'est l'arbre qui voit.

O fruto é cego. É a árvore quem vê.


(in Fureur et mystère, Gallimard, 2007)

Mario Quintana (2)

ENVELHECER

Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

(in Os melhores poemas de Mario Quintana, seleção Fausto Cunha, São Paulo, Global, 2002)

Mario Quintana

O AUTO-RETRATO

No retrato que me faço
− traço a traço −
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...

Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembranças...
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...

E, desta lida, em que busco
− pouco a pouco −
Minha eterna semelhança,

No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!


(in Os melhores poemas de Mario Quintana, seleção Fausto Cunha, São Paulo, Global, 2002)

Anna Akhmátova

Para N. V. N.


Dentro de cada ser há um segredo
a que nem a paixão consegue acesso,
inda que os lábios fundam-se num beijo
e o coração de amor se despedace.

Os anos e a amizade incapazes
são de obter a ventura calcinante,
quando a alma liberta é estrangeira
à lenta lassidão voluptuosa.

Os que a procuram já são quase loucos.
Os que a alcançam, mata-os a tristeza...
Agora tu entenderás por que
meu coração não pulsa em tuas mãos.

Maio de 1915
Petersburgo


(in Antologia Poética, trad. Lauro Machado Coelho, Porto Alegre, L&PM, 2009)

e. m. de melo e castro

CAMINHOS

é pela rua abaixo
que as pessoas sobem
ao patamar do conhecimento

é no patamar do conhecimento
que as pessoas descem
pensadamente a rua

a rua não é mais
que um elemento da paisagem

a paisagem
é casas / caras / carros

confluindo para o desconhecimento

(in Neo-Poemas-Pagãos, São Paulo, Annablume, 2010)

domingo, 23 de outubro de 2011

Olga Orozco

Un relámpago, apenas

Frente al espejo, yo, la inevitable:
nada que agradecer en los últimos años,
nada, ni siquiera la paz con las señales de los
renunciamientos,
con su color inmóvil.
Esta piel no registra tampoco el esplendor del paso
de los ángeles,
sino sólo aridez, o apenas la escritura desolada del
tiempo.
Esta boca no canta.
Ancha boca sellada por el último beso, por el último adiós,
es una larga estría en un mármol de invierno.
Pero ninguna marca delata los abismos
-ah intolerables vértigos, pesadillas como un túnel
sin fin-
bajo el sedoso engaño de la frente que apenas si
dibuja unas alas en vuelo.
¿Y qué pretenden ver estos ojos que indagan la
distancia
hasta donde comienza la región de las brumas,
ciudades congeladas, catedrales de sal y el oro viejo
del sol decapitado?
Estos ojos que vienen de muy lejos saben ver más allá,
hasta donde se quiebran las últimas astillas del reflejo.
Entonces apareces, envuelto por el vaho de la más
lejanísima frontera,
y te buscas en mí que casi ya no estoy, o apenas si
soy yo,
entera todavía,
y los dos resurgimos como desde un Jordán
guardado en la memoria.
Los mismos otra vez, otra vez en cualquier lugar del mundo,
a pesar de la noche acumulada en todos los rincones, los sollozos y el viento.
Pero no; ya no estamos. Fue un temblor, un relámpago, un suspiro,
el tiempo del milagro y la caída.
Se destempló el azogue, se agitaron las aguas y te arrastró el oleaje
más allá de la última frontera, hasta detrás del
vidrio.
Imposible pasar.
Aqui, frente al espejo, yo, la inevitable:
una imagen en sombras y toda la soledad
multiplicada.


(in Últimos poemas, Ediciones Brughera, Barcelona, 2009)

e. e. cummings (4)

un(bee)mo

vi
n(in)g
are(th
e)you(o
nly)

asl(rose)eep

...

i(abe)mó

v
e(lha)l
você(n
a)está(ú
nica)

dorm(rosa)indo


(in poem(a)s, trad. Augusto de Campos, Editora Unicamp, 2011)

e. e. cummings (3)

thing no is(of
all things which are
who)so alive
quite as one star

kneeling whom to
(which disappear
will in a now)
i say my here

...

coisa é nenhuma(de
todas as coisas que
são quem)tão bela
como uma só estrela

ajoelhado qual à
(que já vai embora
indo num aqui)
eu digo meu agora


(in poem(a)s, trad. Augusto de Campos, Editora Unicamp, 2011)

Recital de Piano:


Hadassa Pacheco,
piano

Jovem pianista, graduanda em Música pela Universidade de Brasília, que apresentará recital para a obtenção do grau de Técnico em Instrumento pela Escola de Música de Brasília.

26 de outubro (quarta-feira), às 20h15, no Teatro da Escola de Música de Brasília.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Lançamento do livro:

curare,
de Ricardo Corona

22 de outubro, a partir das 15h
Espaço Tardanza, Curitiba/PR
Av. Senador Souza Naves, 510, casa 3



Ricardo Corona, autor renomado, é um dos principais expoentes da poesia contemporânea brasileira.








http://espacotardanza.wordpress.com/

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Wisława Szymborska (2)

Possibilidades

Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outras coisas com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada ma prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muita coisa que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão.

(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Wisława Szymborska

Elogio dos sonhos

Nos sonhos
eu pinto como Vermeer van Delft.

Falo grego fluentemente
e não só com os vivos.

Dirijo um carro
que me obedece.

Tenho talento,
escrevo grandes poemas.

Escuto vozes
não menos que os mais veneráveis santos.

Vocês se espantariam
com minha performance ao piano.

Flutuo no ar como se deve
isto é, sozinha.

Ao cair do telhado
desço de manso na relva.

Respiro sem problema
debaixo d'água.

Não reclamo:
consegui descobrir a Atlântida.

Fico feliz de sempre poder acordar
pouco antes de morrer.

Assim que começa a guerra
me viro do melhor lado.

Sou, mas não tenho que ser
filha da minha época.

Faz alguns anos
vi dois sóis.

E anteontem um pinguim.
Com toda a clareza.

(in poemas, trad. Regina Przybycien, São Paulo, Companhia das Letras, 2011)

sábado, 1 de outubro de 2011

Luiza Neto Jorge (3)

O POEMA

I

Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontado ao coração do homem

falo com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta

e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme

II

Piso do poema
chão de areia

Digo na maneira
mais crua e mais
intensa

de medir o poema
pela medida inteira

o poema em milímetro
de madeira

ou apodrece o poema
ou se ateia

ou se despedaça
a mão ateia

ou cinco seis astros
se percorre

antes que o deserto
mate a fome



(in poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001)