sábado, 30 de julho de 2011

Estamira e o Comunismo Superior

Estamira (Marcos Prado)

Estamira, protagonista do documentário de estreia de Marcos Prado, faleceu na última quinta-feira (28.7.11):


Waly Salomão

OCA DO MUNDO


dia sim dia não
noite não noite sim
o mesmo pesadelo
e o marasmo do seu padrão

a floresta cantante nos provoca calafrios
todos os sentenciados eram pendurados nos ganchos
uivos e guinchos e gritos e homens pensos como jacas maduras
verrugas dos sentidos dedurados nos quatro pontos cardeais
caimãs simulavam pirogas
tucanos morcegavam rasantes
corujas e bacuraus invocavam arrepios
abraços de tamanduá-açu
bigornas de aço de arapongas
cataratas desfocavam o cruzeiro do sul
painéis de capoeiras
e blocos de matas desciam cipós de circuitos fechados
olheiros do comando de macaco-prego
manipulavam as glandes das suas pirocas
como se fossem câmaras de vídeo-vigilância
floresta cantante inenarrável
cuja nesga narrável não figurava nunca nada de verossímil

dia sim dia não
noite não noite sim
o mesmo pesadelo
e o marasmo do seu padrão


(in pescados vivos, Rocco, Rio de Janeiro, 2004)

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Tema e variação

No anverso da história
mora a sombra dos sentidos.
O verso do sentido
é a sombra da história.
Inverte-se a História
em versos de sombra,
a sombra sem história
é o próprio sentido.

(in gavetário)

Casa própria

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mario Benedetti (2)

Tampoco


Nadie lo sabe
nadie


ni el río
ni la calle
ni el tiempo

ni el espía
ni el poder
ni el mendigo

ni el juez
ni el labriego
ni el papa

nadie lo sabe
nadie

yo tampoco


(in Remontar la noche)

José Paulo Paes (3)

Celebridade

(para Raduan Nassar)


Eu sou o poeta mais importante
da minha rua.

(Mesmo porque a minha rua
é curta.)


(in socráticas, Companhia das Letras, 2001)

domingo, 24 de julho de 2011

A Janela (Carlos Sorin)

Porta-retrato (2)

Angela Melim

DA JANELA

A lua cheia me chamou
vim ver

cortinas em fiapos
abrefechando
buracos
negros
fulminando luz e atrás

o morro recortado
a massa escura da mata
as casas tomadas

fachadas desmaiadas
exaustas de furor.

A lua chamou.


(in Possibilidades, Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2006)

sábado, 23 de julho de 2011

vestígios de vertigem

canalizando o tempo
ensanguentado
pústula de vento
unguento frágil

pus tumba alento
acalanto paro
a inércia incita
melancolia

Arseniĭ Tarkovskiĭ

PELA MANHÃ dentro esperei ontem,
Diziam eles que não virias, supunham.
Maravilhoso dia, lembras-te?
Um feriado! – Dispensa casaco.

Hoje vieste, e o dia pôs-se
soturno, de chumbo,
e chovia, fazendo-se tarde,
com gotículas na ramagem fria.

Não pode a palavra mitigar, nem o lenço devolver pureza.


(in 8 ícones, trad. Paulo da Costa Domingos, assírio & alvim, Lisboa, 1987)

Antônio Mariano

Angústia de um computador

Por algum tempo pensei
que a língua fosse o mundo
e as idéias, pessoas.

Esperava um contato.
Não encontrei palavra.

Esperava um verbo
e encontrei solidão.


(in guarda-chuvas esquecidos, Lamparina, Rio de Janeiro, 2005)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Arthur Rimbaud

Sensation

Par les soirs bleus d’été, j’irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en sentirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien:
Mais l’amour infini me montera dans l’âme,*
Et j’irai loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la Nature, – heureux comme avec une femme.

Arthur Rimbaud
Mars 1870

* Há duas versões do poema. Na outra, há variações na pontuação, e uma mudança no sexto verso, que fica: Mais un amour immense entrera dans mon âme.


Sensação

Pelas tardes amenas, por entre arvoredos,
Irei, roçando os trigos, pisar a erva modesta:
Sonhando, sentirei sua frescura em meus dedos
E deixarei o vento banhar minha testa.

Tentarei não falar, nem pensar, nesse instante:
Mas na minha alma, então, subirá a grande chama,
E andarei longe, além, como um boêmio errante,
Pela Mata,– feliz como aos pés de uma dama.

(trad. Paulo Monteiro)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

alvoreço na folhagem










alvoreço na folhagem
minhoca

Sozinho contra todos (Gaspard Noé)




Autor de “Irreversível” (2002), Gaspard Noé utiliza o “Açougueiro” (do seu curta-metragem “Carne”) para criar um personagem denso, que decide realizar o seu “acerto de contas” após sair da prisão, obcecado pela filha e pautado na intolerância social.

Filme excelente (1998), imprescindível aos amantes do cinema contemporâneo.




imagem: curta-metragem “Carne”.

sábado, 9 de julho de 2011

Murilo Rubião

ALFREDO

“Esta é a geração dos que o buscam, dos que buscam a face do Deus de Jacó”. (Salmos, XXIII, 6)

Cansado eu vim, cansado eu volto.
A nossa primeira desavença conjugal surgiu quando a fera ameaçou descer ao vale. Joaquina, a exemplo da maioria dos habitantes do povoado, estava preocupada com os estranhos rumores que vinham da serra.
Inicialmente pretendeu incutir-me uma tola superstição. Ri-me da sua crendice: um lobisomem?! Era só o que faltava!
Ao verificar que ela não gracejava e se punha impaciente com o meu sarcasmo, quis explicar-lhe que o sobrenatural não existia. Os meus argumentos não foram levados a sério: ambos tínhamos pontos de vista bastante definidos e irremediavelmente antagônicos.
Com o passar dos dias, os gemidos do animal tornaram-se mais nítidos e minha mulher, indignada com o meu ceticismo, praguejava.
Silencioso, eu refletia. Procurava desvendar a origem dos ruídos. Neles vinha uma mensagem opressiva, uma dor de carnes crivadas por agulhas.
Esperei, por algum tempo, que a fera abandonasse o seu refúgio e viesse ao nosso encontro. Como tardasse, saí à sua procura, ignorando os protestos de minha esposa e as ameaças de romper definitivamente comigo, caso eu persistisse nos meus propósitos.

Iniciara a excursão ao amanhecer. Pela tarde, depois da estafante caminhada, encontrei o animal.
Nenhum receio me veio ao defrontá-lo. Ao contrário, fique comovido, sentindo a ternura que emanava dos seus olhos infantis.
Sem fazer qualquer movimento agressivo, de vez em quando levantava a cabeça – pequenina e ridícula – e gemia. Quase achei graça no seu corpo desajeitado de dromedário.
O riso brincou frouxo dentro de mim e não aflorou aos lábios, que se retorceram de pena.
Com muito cuidado para não assustá-lo, fui me aproximando. Uma pequena distância nos separava e, tímido, perguntei o que desejava de nós e a quem dirigia a sua desalentadora mensagem. Nada respondeu.
- De onde veio? Por que não desceu ao povoado? Eu o esperava tanto!
O meu constrangimento aumentava à medida que renovava inutilmente as perguntas.
Em dado momento, vendo que falava em vão, perdi a paciência:
- E o que faz aí, plantado como um idiota no cimo desta montanha?
Parou de gemer e fitou-me com indisfarçável curiosidade. Em seguida, sem tirar o chapéu, murmurou:
- Bebo água.
A frase, pronunciada com dificuldade, numa voz cansada, cheia de tédio, desvendou-me o sentido da mensagem.
Na minha frente estava o meu irmão Alfredo, que ficara para trás, quando procurei em outros lugares a tranquilidade que a planície não me dera.
Tampouco eu viria a encontrá-lo no vale. Por isso vinha buscar-me.

Depois de beijar a sua face crespa, de ter abraçado o seu pescoço magro, enlacei-o com uma corda. Fomos descendo, a passos lentos, em direção à aldeia.
Atravessamos a rua principal, sem que ninguém assomasse à janela, como se a chegada do meu irmão fosse um acontecimento banal. Ocultei a revolta e levei-o pela ruazinha mal calçada que nos conduziria à minha residência.
Joaquina nos aguardava no portão. Sem trocarmos sequer uma palavra, afastei-a com o braço. Contudo, ela voltou ao mesmo lugar. Deu-me um empurrão e disse não consentir em hospedar em nossa casa semelhante animal.
- Animal é a vó. Este é meu irmão Alfredo. Não admito que o insulte assim.
- Já que não admite, sumam daqui os dois!
Alfredo, que assistia à nossa discussão com total desinteresse, entrou na conversa, dando um aparte fora de hora:
- Muito interessante. Esta senhora tem dois olhos: um verde e outro azul.
Irritada com a observação, Joaquina deu-lhe um tapa no rosto, enquanto ele, humilhado, abaixava a cabeça.
Tive ímpetos de espancar minha mulher, mas meu irmão se pôs a caminhar vagarosamente, arrastando-me pela corda que eu segurava nas mãos.

Ao anoitecer, encontramo-nos novamente no alto da serra. Lá embaixo, pequenas luzes indicavam a existência do povoado. A fome e o cansaço me oprimiam: todavia, não pude evitar que o meu passado se desenrolasse, penoso, diante de mim. Veio recortado, brutal.

(– Joaquim Boaventura, filho de uma égua! – As mãos grossas, enormes, avançaram para o meu pescoço. Deixei cair o pedaço de mão que roubara e esperei apavorado, o castigo.)
Filho de uma égua. Como tinha sido ilusória a minha fuga da planície, pensando encontrar a felicidade do outro lado das montanhas. Filho de uma égua!
***
Alfredo pediu-me que descansássemos um pouco. Sentou-se sobre as pernas e deixou que eu lhe acariciasse a cabeça.
Também ele caminhara muito e inutilmente. Porém, na sua fuga, fora demasiado longe, tentando isolar-se, escapar aos homens, ao passo que eu apenas buscara no vale uma serenidade impossível de ser encontrada.

De início, Alfredo pensou que a solução seria transformar-se num porco, convencido da impossibilidade de conviver com seus semelhantes, a se entredevorarem no ódio. Tentou apaziguá-los e voltaram-se contra ele.
Transformado em porco, perdeu o sossego. Levava o tempo fossando o chão lamacento. E ainda tinha que lutar contra os companheiros, sem que, para isso, houvesse um motivo relevante.
Imaginou, então, que fundir-se numa nuvem é que resolvia. Resolvia o quê? Tinha que resolver algo. Foi nesse instante que lhe ocorreu transmudar-se no verbo “resolver”.
E o porco se fez verbo. Um pequenino verbo, inconjugável.
Entretanto, o verbo “resolver” é, obviamente, a solução dos problemas, o remédio dos males. Nessa condição, não teve descanso, resolvendo assuntos, deixando de solucionar a maioria deles. Mas, quando lhe pediram que desse um jeito em mais uma briga familiar, recusou-se:
- Isso é que não!
E transformou-se em dromedário, esperando que beber água o resto da vida seria um ofício menos extenuante.

A madrugada ainda nos encontrou no alto da serra. Espiei pela última vez o povoado, sob a névoa da garoa que caía. Perdera mais uma jornada ao procurar nas montanhas refúgio contra as náuseas do passado. De novo, teria que peregrinar por terras estranhas. Atravessaria outras cordilheiras, azuis como todas elas. Alcançaria vales e planícies, ouvindo rolar as pedras, sentindo o frio das manhãs sem sol. E agora sem a esperança de um paradeiro.
Alfredo, enternecido com a melancolia que machucava os meus olhos, passou de leve na minha face a sua áspera língua. Levantando-me, puxei-o pela corda e fomos descendo lentamente a serra.
Sim. Cansado eu vim, cansado eu volto.

(in Obra completa, Companhia das Letras, São Paulo, 2010)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Jorge Luis Borges

SONETO AL VINO


¿En qué reino, en qué siglo, bajo qué silenciosa
Conjunción de los astros, en qué secreto día
Que el mármol no ha salvado, surgió la valerosa
Y singular idea de inventar la alegría?
Con otoños de oro la inventaron. El vino
Fluye rojo a lo largo de las generaciones
Como el río del tiempo y en el arduo camino
Nos prodiga su música, su fuego y sus leones.
En la noche del júbilo o en la jornada adversa
Exalta la alegría o mitiga el espanto
Y el ditirambo nuevo que este día le canto
Otrora lo cantaron el árabe y el persa.
Vino, enséñame el arte de ver mi propia historia
Como si ésta ya fuera ceniza en la memoria.


(in “El otro, el mismo”, Buenos Aires, 1964)

Roque Dalton

DIFUNTO SÓLO

Te han llevado a enterrar casi a empujones
bajo un cielo de planta manchado de palomas.

Todo el mundo contento: en adelante
ibas a ser problema de la tierra,
larga semilla, sótano de la grama.

Con el apuro no alcanzó para la cruz, pues este duro
leño con cuernos no remeda cruz.

Y el girasol salvaje
–regado con pipí del hijo del guarda–
apenas haga frío morirá.

Pobrecitos los muertos –se diría al mirarte–
¡Qué cosa más jodida es descanzar en paz!


(El Salvador, 1935-1975)

Heberto Padilla

POÉTICA

Di la verdad.
Di, al menos, tu verdad.
Y después
deja que cualquier cosa ocurra:
que te rompan la página querida,
que te tumben a pedradas la puerta,
que la gente
se amontone delante de tu cuerpo
como si fueras
un prodigio o un muerto.

(in Fuera de Juego, Havana, 1968)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

terça-feira, 5 de julho de 2011

César Vallejo

LXXVII

Graniza tánto, como para que yo recuerde
y acreciente las perlas
que he recogido del hocico mismo
de cada tempestad.

No se vaya a secar esta lluvia.
A menos que me fuese dado
caer ahora para ella, o que me enterrasen
mojado en el agua
que surtiera de todos los fuegos.

¿Hasta dónde me alcanzará esta lluvia?
Temo me quede con algún flanco seco;
temo que ella se vaya, sin haberme probado
en las sequías de increíbles cuerdas vocales,
por las que,
para dar armonía,
hay siempre que subir ¡nunca bajar!
¿No subimos acaso para abajo?


Canta, lluvia, en la costa aún sin mar!


(in Trilce, Lima/PERU, 1922)


LXXVII

Graniza muito, para que eu me lembre
de acrescer as pérolas
que colhi da face
de cada tempestade.

Que esta chuva não seque.
A menos que me fosse permitido
tombar agora por ela, ou que me sepultassem
molhado na água
que brotasse de todos os lares incandescidos.

Até onde esta chuva me alcançará?
Temo não molhar o dorso;
temo que ela parta, sem ter-me provado
nas estiagens de incríveis cordas vocais,
pelas quais,
para dar harmonia,
temos sempre que subir – nunca baixar!
Por acaso, não subimos para baixo?

Cante, chuva, na costa ainda sem mar!


(in Trilce, Lima/PERU, 1922)

(trad. joão monteiro)

Nicanor Parra

EPITAFIO

De estatura mediana,
Con una voz ni delgada ni gruesa,
Hijo mayor de profesor primario
Y de una modista de trastienda;
Flaco de nacimiento
Aunque devoto de la buena mesa;
De mejillas escuálidas
Y de más bien abundantes orejas;
Con un rostro cuadrado
En que los ojos se abren apenas
Y una nariz de boxeador mulato
Baja a la boca de ídolo azteca
-Todo esto bañado
Por una luz entre irónica y pérfida-
Ni muy listo ni tonto de remate
Fui lo que fui: una mezcla
De vinagre y aceite de comer
¡Un embutido de ángel y bestia!


(in Poemas y antipoemas, Santiago/CH, 1954)

Apolinar Núñez

Porque no saben de historia, me imagino


Cada año voy a España
a resolver vainas del pasado
y es fácil:
la venganza indígena
la hago desde una cama
y casi siempre las españolas se ríen
porque no saben historia me imagino.


Poema del pesimismo

Mañana habrá otra vez
mañana
tarde
y noche.


Señoras y señores

Yo soy del partido
y sólo admitiré en mi tumba
este epitafio:
La muerte es el abandono de la
solidaridad.


(in Poemas decididamente fuñones, República Dominicana, 1972)

domingo, 3 de julho de 2011

Aquarela mecânica (4). Recompensa

Jorge Fandermole

JUNIO



Lo que va a pasar hoy pasó hace tanto
me desperté diciendo esta mañana,
no vi las predicciones del espanto
que le arrancaba al sueño mi palabra.
En este invierno que pega tan duro
está lejos tu boca que me ama
y se me desdibuja en el futuro,
y junio me arde rojo aquí en la espalda.
En este invierno atroz no hay escenario
más duro que esta calle de llovizna;
cada uno sigue en ella su calvario
pero la cruz de todos es la misma.
Salí con las razones de la fiebre
y una tristeza absurda como el hambre,
y cuando en el corazón la sangre hierve
es de esperar que se derrame sangre.
Me llamo con el nombre que me dieron,
el que tomó la crónica del día;
soy uno de los dos que ya partieron,
los dos en un montón que resistían.
Hermano en la delgada línea roja
que te me fuiste dos minutos antes
con la indiscreta muerte que en tu boca
entraba en cada casa con tu imagen.
Yo estaba junto a vos sobre tu grito
besándote feroz la indigna muerte
mientras te ibas volando al infinito
fulgor de la mañana indiferente...
Yo sé que el corazón que está latiendo
en cada uno es una senda pedregosa,
cuando en el suelo sucio me estoy yendo,
ajeno y solo de todas las cosas.
Si yo salí por mí y salí por todos
cómo es que ahora no hay nadie aquí a mi lado
que me retenga la luz en los ojos,
que contenga este río colorado.
El corazón del hombre es una senda
más áspera que la piedra desnuda;
mi extenso corazón es una ofrenda
que pierde sangre en esta calle cruda.
Yo tengo un nombre rojo de piquete
y un apellido muerto de veinte años,
y encima las miradas insolentes
de los perros oscuros del cadalso.
Yo no llevaba un arma entre las manos
sino en el franco pecho dolorido,
y el pecho es lo que me vieron armado
y en el corazón todos los peligros.
La mano que me mata no me llega
ni al límite más bajo de mi hombría
aunque me arrastren rojo en las veredas
con una flor abierta a sangre fría.
Hoy necesito un canto piquetero
que me devuelva la voz silenciada,
que me abra por la noche algún sendero
pa' que vuelva mi vida enamorada...

(letra e música: Jorge Fandermole)


Homenagem a Darío Kosteki y Maximiliano Santillán, mortos no dia 26.6.02, durante um protesto popular em Avellaneda (Buenos Aires).

Noite iluminada

Francisco Alvim

SATURNO

O único modo
de acabar com os ratos
é pegar um macho
capá-lo
Ele vai e come os
filhotes


(in O Corpo Fora, 1988)
(in Poemas, Cosac & Naify, 2004)

sábado, 2 de julho de 2011

Jatobá

TEM GENTE QUE NÃO GOSTA DE JATOBÁ.




JÁ NO TOBA...














foto: www.dosmatos.org.br/NoticiaDetalhe.aspx?m=4

José Infante

MUERTE ABAJO
(cien canciones de muerte, de amor y de ausencia)

XVII
El reloj de la vida
va muy deprisa,
cuando llega la ausencia
se ralentiza.

XXVI
La soledad es el único
amante: al que no le puedes
ser infiel.
Si lo haces, en venganza,
se volverá tu enemiga
más cruel.

L
Dicen que la ignorancia
es mejor que la ciencia.
Por eso yo no tengo
ninguna creencia.

C
En el jardin de la vida,
me pusieron sin decírmelo,
en un huerto solitario.
Por eso todos los frutos
me salieron tan amargos.

(in Daños colaterales, ed. Hiperión, Madrid, 2009)

Boris Cyrulnik / Edgar Morin




Você disse que a sociedade alimenta-se da morte de seus indivíduos. Igualmente, não podemos dizer que uma sociedade nutre-se da morte de suas teorias? Venerar uma idéia é o modo mais seguro de fazê-la morrer. A pretexto de a repetir, nós a transformamos em estereótipo, de tal maneira caricaturada que poderíamos recitá-la numa final desportiva entre França-Inglaterra. Ao contrário, vivenciar uma idéia pressupõe o debate, a tentativa de combate de seus elementos componentes.

(in Dialogue sur la nature humaine / Diálogos sobre a natureza humana, éditions de l’aube, 2000, p. 45-46)


imagem: www.intransfer.com/fotos/veneza2/

Willy Corrêa de Oliveira

Apocalipse no fundo do quintal

Já havia principiado a noite quando atravessei a cozinha e transpassei a porta que se abria para o patamar de onde descia a escada para o quintal bem mais abaixo de que o corpo da casa, e olho na direção do fundo do quintal, para além do muro e acolá, nem longe nem perto, vejo uma estrela deitada. Tenho que era noite de lua cheia. É certo que a estrela iluminava adormecida, o chão, a terra, o terreno vazio logo após o muro do meu quintal como sua cama e não o céu como eternamente havia acontecido desde o início dos tempos. Não recobro o que andava a fazer por ali no patamar da porta da cozinha, se me dirigia ao quintal por qualquer coisa, ou o que, quando vi a estrela no chão, adiante no terreno livre depois do muro do quintal onde se mora em criança. Não era um sucesso usual, um fato corriqueiro: exaltado, em glória, pânico, júbilo, desobrigo-me do que teria ido fazer e retornei para o interior da casa em estado de choque, feliz abalado, e sem mais demoras vim atender ao chamado (já impaciente) para que fosse me deitar. Que lavasse as mãos, pés, escovasse os dentes. “E não se esqueça de cuidar pra não fazer xixi fora da bacia.” Ladainhas para o ofício noturno. Os palavrórios não me azucrinaram. Fui ao cumprimento das ordens indiferente sem relatar nada do que vira pra ninguém. Na transcendência da beatitude, do enleio sutil e frágil em que me transbordava não tinha prumo para me comunicar com nenhum humano naquela hora. Só me era dado o silenciar, o ativar-me veemente no gozo. Uma estrela do céu, ali vizinha, deixar-se pousada no chão, adormecida, assim a uma corridinha de casa, manifesta. Sem mais era ir para cama (obediente) e calar e dormir tácito emudecido sem bulício, nem o mais mínimo alarido para que ninguém desfizesse o inescrutável, inesperado, o inerme sortilégio da estrela em abandono, tão cerca. Amanheci às pressas. E misteriosamente saí à procura de minha estrela no chão, dormida ao relento, em depois do contorno da rua de casa. Vis-à-vis do fundo, pertinho. O terreno, baldio, se espichava, creio que até ao mar mais distante. Que horror insípido: ela não mais se achava à vista. Em toda a volta, olhei, não se encontrava. Não se encontrava. Não a divisaria mais, sabia-o, sentia, e desisti: do prosseguir em sua busca porque o local era perigoso em excesso, com cacos de louça, vidros asquerosos, assassinos, latas cortantes (enferrujadas até ao tétano), guaiamus ferozes, e teria que ter me aventurado em longa caminhada até a praia e o mar bravio longe.

Mas não maldigo. Não escrevo: “Ah! um urubu pousou na minha sorte.” Nunca. Eu que jamais havia (sequer) entressonhado que uma estrela do firmamento viesse, quietinha, se pôr ali pouco além do muro do nosso quintal, sem ruídos, para mim. Por uma noite, em criança, tive uma estrela que brilhou pela minha vida inteira.


(in Passagens, Ed. Luzes do Asfalto, São Paulo, 2008)


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Giuseppe Ungaretti

POESIA

I giorni e le notti
suonano
in questi miei nervi
di arpa

vivo di questa gioia
malata di universo
e soffro
di non saperla
accendere
nelle mie parole.




POESIA

Os dias e as noites
dedilham
estes meus nervos
de harpa

nutro-me desta alegria
enferma de universo
e sofro
por não saber
iluminá-la
em minhas palavras.


(in Poesie disperse / Poemas dispersos, 1945)

(trad. joão monteiro)

Salvatore Quasimodo

ANTICO INVERNO

Desiderio delle tue mani chiare
nella penombra della fiamma:
sapevano di rovere e di rose;
di morte. Antico inverno.

Cercavano il miglio gli uccelli
ed erano súbito di neve;
cosí le parole.
Un po' di sole, una raggera d'angelo,
e poi la nebbia; e gli alberi,
e noi fatti d'aria al mattino.




ANTIGO INVERNO

Desejo de tuas mãos claras
na penumbra da chama;
explicavam carvalhos e rosas;
morte. Antigo inverno.

Buscavam grão as aves
e de repente se punham neve;
assim as palavras.
Um pouco de sol, auréola de anjo,
e enfim a névoa; e as árvores,
e nós feitos de ar na manhã.



(in Acque e terra / Águas e terras, 1930)

(trad. joão monteiro)



imagem: “Retrato de Salvatore Quasimodo”, de Renato Birolli (1905-1959)