terça-feira, 28 de junho de 2011

Felisberto Hernández (2)


“Minha primeira professora

Tinha apenas seis anos. Todas as manhãs, eu atravessava uma praça em aclive – morávamos ao pé de uma colina – para ir à escola. A professora era enorme; punha seus dedos gordos sobre a carteira e nos permitia fazer barulho. Eu fazia letras eme minúsculas, com linhas redondas iguais aos dedos dela. Uma tarde, sem que minha mãe soubesse, cruzei a praça e chamei a professora, batendo os pés na porta. Ela, com sua cabeça grande, apareceu na janela, como uma generosa vaca sem chifres.
– O que quer?
– Fazer uma visita.
– Bem, ficará um pouquinho, e depois terá que ir...
Quando abriu a porta da rua, passei rente à sua saia cinza. De mãos dadas, ela me levou aos fundos da casa. Sob um arbusto, havia uma galinha deitada; começou a chocar e, debaixo de seu corpo – de um cinza parecido com a saia da senhorita –, começaram a aparecer pintinhos amarelos, que pareciam estar tão aquecidos quanto os meus dedos entrelaçados aos dela. Depois, acompanhou-me até a porta, e eu lhe disse:
– Daqui a pouquinho voltarei.
– Não, não, outro dia.
Mas continuei pensando. Nessa noite, sozinho em minha cama, recordei-me da galinha com pintinhos e comecei a imaginar que eu vivia sob a saia da professora. No dia seguinte, repousando após o almoço, voltei a pensar a mesma coisa: àquela hora, eu não dormia; e meus pais estavam com os olhos fechados. Imaginava a professora em pé, encostada sob o arbusto; e eu, sob a sua saia, acariciava as suas pernas; ou melhor, as duas. Sentia calor e via que, onde acabavam as meias pretas (já minhas conhecidas), as pernas eram gordas como as de minha avó, e muito brancas. Tudo parecia bastante natural; enquanto eu a acariciava, a senhorita permanecia tão tranquila quanto a galinha dos pintinhos. Mesmo sob a saia, eu conseguia enxergar o rosto da professora; ela olhava distraída para os lados. Às vezes, vinha a sua mãe: era uma velhinha muito gentil (uma vez, serviu-me café com leite, mas eu não pude terminar porque já tinha tomado em casa). Era comum eu pensar na velhinha ou em qualquer outra coisa, sempre nos meus repousos após o almoço; de repente, me esquecia que eu deveria estar sob a saia; isso era cansativo porque teria que imaginar tudo de novo. Numa outra vez, pensei que a velhinha havia perguntado à filha:
– O que estão fazendo?
E a professora teria respondido:
– Tive crias.
Mas a mãe sabia de tudo, e retrucava como nos dias em que tinha doces e me dizia, de brincadeira: “Não tenho balas”. Nesse momento, a filha lhe piscava os olhos, e eu a via, enquanto acariciava as suas pernas. Durante quase todas as sestas (“siestas”) as galinhas de casa cacarejavam; eu as odiava; não me dava conta de que essas galinhas eram iguais às da professora. Quando chegavam as noites de verão, meus pais me deixavam brincar um pouquinho antes de me deitar; então, eu atravessava a praça, entrava no vestíbulo da professora e, de súbito, soltava um cacarejo que a assustasse.
Uma noite, da calçada, vi que ela carregava os pratos do refeitório à cozinha. O abajur, que estava sobre a mesa de jantar, tinha luz apenas suficiente para clarear a toalha. Sem que a professora me visse, entrei na sala e me escondi sob a mesa. Ela veio aos poucos, com os passos de sempre, mas, agora, usava uma saia branca; aproximou-se muito da mesa e eu, tocando o piso com a cabeça, olhei para cima e subi ao interior da saia: tudo estava escuro; mas clareava quando ela, para alcançar algo do outro lado da mesa, apoiava um pé e levantava o outro no ar. Fiz isso várias vezes, sem que minha cabeça tocasse os seus pés. Após levantar da mesa, ela voltou ao refeitório com passos lentos; encostou na borda do móvel, levantou um pé e deixou o outro ao solo. Então, apareci do lado de fora da saia e vi que o rosto estava coberto por um livro.
Entre nós, havia muita confiança; se ela me descobrisse sob a sua saia, eu lhe diria que estava brincando. Por fim, decidi entrar. Não sei se cheguei a tocar suas pernas; ela soltou um grito e, ao baixar o pé que estava suspenso no ar, me pisou; também senti que apertava a minha cabeça. Em seguida, vi cair o seu corpo inteiro, ouvi o estilhaço de alguns copos e cheguei a ver um pedaço branco da perna dela.
Quando se levantou, estava muito zangada e achei que me bateria; mas logo caiu em gargalhadas; queria falar mas não conseguia; virou a cabeça, foi ao vestíbulo e olhou para a cozinha: a mãe estava lavando os pratos e não havia escutado nada. A professora voltou até mim e, levantando um dedo, disse que contaria ao meu pai o ocorrido; ordenou-me voltar para casa. Passei diante dela, de cabeça baixa – mas ainda espreitava a saia –, caminhando lentamente; sabia, todavia, que ela me havia perdoado, e, por isso, eu estava feliz.
Ao atravessar a praça, recordei-me de seu sorriso e pensei: “Ela também me deseja sob a sua saia.”

(in Las Hortensias y otros relatos, ed. El cuenco de plata, Buenos Aires, 2009)

(trad. joão monteiro)


Download do AUDIO original do conto (em espanhol), extraído do blog “unmillondeamigos” (gerido pelo jornal argentino Clarín), narrado por Pacho O'Donnell:

http://www.megaupload.com/?d=H70LOOGG

fonte do arquivo de audio:
http://weblogs.clarin.com/revistaenie-unmillondeamigos/2009/09/05/pacho_con_felisberto/

foto: www.felisberto.org.uy

Nenhum comentário:

Postar um comentário