quarta-feira, 21 de março de 2012

Emil Cioran (3): prefiro epitáfios a antologias

"Um único dia de solidão representa, para mim, mais felicidade que todos os triunfos desta vida" (Carol Quintul).
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O fim de uma religião começa quando não nascem mais hereges.
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Admiro "X" porque não tem ideia do quanto é ridículo.
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Minhas alegrias são apenas tristezas latentes.
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Sob o ponto de vista literário, a Justiça é um ideal medíocre.
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Haverá o dia da abolição do conhecimento e do poder, da renúncia total – ou do capítulo final.
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Perdi vários velhos defeitos; em compensação, outros novos adquiri. O equilíbrio permanece intacto.
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A liberdade é igual à saúde: seu valor aquilata-se quando a perde. Àquele que a possui, jamais será um ideal. O mundo livre é um paradoxo.
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Na França, a insolência é indispensável para construir uma reputação de homem inteligente e espiritualizado
OU
Na França, insolência, inteligência e espírito têm o mesmo valor.
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Não tenho aptidão alguma à filosofia: interessam-me apenas as atitudes e o aspecto patético das ideias...
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Meus escritos são todos mancos, sem desenvoltura. Eis o drama daqueles que escrevem pouco, que não escrevem com a frequência da respiração. Sou autor 'de momento', pois escrevo apenas na tentativa de livrar-me da angústia de um instante.
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Apresento meu aspecto religioso: um fervor demoníaco.
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Após meu velho entusiasmo (há muito superado) em relação a Rilke, nenhum outro poeta interessa senão Emily Dickinson. O mundo dela, que me é tão familiar, seria ainda mais apropriado se finalmente eu me abandonasse à solidão total. Impossibilitado desse privilégio, prefiro, por ora, fugir de sua poesia.
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Meu gosto pelas miniaturas, pelas fórmulas condensadas, está bem traduzido assim:
PREFIRO EPITÁFIOS A ANTOLOGIAS.
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Renunciar a tudo, inclusive ao papel de espectador...
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A ideia de 'destino' é concebida por homens doentes.
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Eu o intitulo 'ingênuo' porque, sem tomar consciência de sua mediocridade, jamais hesita e anuncia a todos os louros de sua bobagem. Evidentemente, essa ingenuidade está presente na maioria das pessoas.
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Nossa confissão mais sincera está nas coisas que especulamos sobre os outros; fofocar é sentar ao confessionário.
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Nenhum amigo expõe ao outro a realidade. Por essa razão, nossos diálogos mais fecundos desenrolam-se em silêncio com inimigos.
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Três horas de conversa. Pecado! – perdi três horas de silêncio.
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Toda afirmação pressupõe uma dose de instinto de que, comumente, não dispomos. Algumas pessoas estão sempre desprovidas de instinto, suas penas são mudez anunciada.
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Sonho com um sistema filosófico meramente aforístico, como um dia o sonhou Emily Dickinson.
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A existência de um homem 'livre' prescinde de qualquer coisa, inclusive da honra.


(Cadernos I, prefácio de Simone Boué. Bucareste: Humanitas, 2010)

2 comentários:

  1. Não gostaria de usar nenhum desses como epitáfio (aliás... por enquanto não gostaria de usar nenhuma frase do mundo como epitáfio :D)

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  2. Caro Fábio, acho que entendi o que você disse, e, se me permite, acho possível resumi-lo assim:
    "cada coisa a seu tempo." - é isso?
    ;)
    abraço.

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