sábado, 24 de maio de 2014

Felisberto Hernández (3)

FALSA EXPLICAÇÃO DE MEUS CONTOS

          Obrigado a fazê-lo ou ludibriado por mim mesmo, vejo-me impulsionado a revelar-lhes como escrevo meus contos, e eu o farei com explicações exteriores a eles. Não são completamente espontâneos, no sentido de não intervir a consciência. Isso seria antipático. Não são dominados por uma teoria da consciência. Isso seria extremamente antipático. Preferiria dizer que essa intervenção é misteriosa. Meus contos não têm estruturas lógicas. Apesar de uma vigilância constante e rigorosa, também a consciência me é desconhecida. Em certos momentos, penso que em algum recôndito meu nascerá uma planta. Começo a observá-la acreditando que em algum canto desse recôndito produziu-se algo raro, contudo com pendor artístico. Seria feliz se essa ideia não fracassasse completamente. Não obstante, devo esperar por um tempo indeterminado: não sei como germinar a planta, nem como regá-la, nem como fazê-la crescer: apenas permaneço firme em minha convicção de querer ver em suas folhas algo de poesia; ou algo que se transforme em poesia, conforme o olhar de quem a observa. Devo evitar que ela ocupe muito espaço, que não pretenda ser bela ou muito intensa, mas que seja apenas a exata planta predestinada; devo empenhar-me para que alcance seu destino. Ao mesmo tempo, ela crescerá sob os olhos de um observador que não prestará muita atenção em suas sutilezas, mais preocupado em propor-lhe grandezas. Se for uma planta dona de si, terá uma poesia natural, desconhecida por ela própria. Deverá ser como uma pessoa que não sabe mais quanto tempo viverá, com necessidades autênticas, com um orgulho discreto, meio acanhado e aparentemente improvisado. Ela mesma não conhecerá suas leis, ainda que profundamente as retenha e ainda que não as alcance a consciência. Não saberá o grau nem a maneira em que intervirá a consciência, mas em último caso imporá sua própria vontade. E ensinará a consciência a ser desprendida.
 
          O mais certo de tudo é que realmente não sei como escrevo meus contos, pois cada um deles tem uma vida independente e estranha aos outros e a mim. Sei também que vivem brigando com a consciência para que arredios observadores, recomendados por ela, jamais os leiam.   

[tradução de João Monteiro]

(in Las Hortensias y otros relatos, Buenos Aires: El Cuenco de Plata, 2009)

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