segunda-feira, 16 de abril de 2012

Eugenio Montale (3)

*

Descendo algumas vezes
as áridas encostas
cortadas pelo humor
de outono que as inchava,
já não sentia no peito a ronda
das estações e o gotejar
do tempo inexorável;
mas o pressentimento
de ti calava-me n'alma,
surpreendido no arfar
dum sopro, antes imóvel,
nos rochedos que orlavam o caminho.
Então, entendia, a pedra
queria soltar-se, tendida
a um abraço invisível;
a dura matéria sentia
perto a voragem, e pulsava;
e os tufos das ávidas canas
davam às águas ocultas,
nutantes, um assentimento.
Tu, vastidão, resgatavas
até o padecer das pedras:
para teu tripúdio era justa
a imobilidade dos finitos.
Arriando entre os rochedos,
chegavam-me ares salobros
ao coração: estendia-se
no mar um jogo de aros.
Com essa alegria salta
de dentro da fresta na praia
a dispersa ave-fria.

(in Ossos de sépia, trad. Renato Xavier, Companhia das Letras: São Paulo, 2011)

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