sexta-feira, 25 de julho de 2014

Julio Cortázar (3)

A Colherada Estreita
 
Um fama descobriu que a virtude era um micróbio e cheio de patas. Instantaneamente deu a beber a sua sogra uma grande colherada de virtude. O resultado foi horrível: esta senhora renunciou a seus comentários mordazes, fundou um clube para a proteção de alpinistas perdidos e em menos de dois meses se comportou de maneira tão exemplar que os defeitos de sua filha, inadvertidos até então, passaram ao primeiro plano para grande sobressalto e assombro do fama. Não teve outro remédio senão dar uma colherada de virtude a sua mulher, que o abandonou nessa mesma noite por achá-lo grosseiro, insignificante e completamente diferente dos padrões morais que flutuavam rutilando perante os olhos.
 
O fama refletiu largamente e afinal tomou ele próprio o frasco de virtude. Mas continuou da mesma maneira vivendo só e triste. Quando cruza na rua com a sogra ou a mulher, ambos se cumprimentam respeitosamente e de longe. Não ousam sequer se falar, tamanha é a sua perfeição respectiva e o medo que têm de contaminar-se.

(in Histórias de Cronópios e de Famas, Trad. Gloria Rodríguez, Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1977)

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